Arquivo mensal: outubro 2019

A CRISE DE PARADIGMAS

ninho

O GRANDE NINHO DO SER

Espinha Dorsal da Filosofia Perene

Segundo Wilber, “O Grande Ninho é na verdade uma grande holarquia do Ser e do Conhecer: níveis de realidade e níveis de conhecimento”.

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A CRISE DE PARADIGMAS

A partir das ideias de Ken Wilber em diálogo com outros pensadores se tentará demonstrar as bases em que se fundamentou a cultura geral em pelo menos três principais épocas da história – pré-moderna, moderna e pós-moderna – a fim de pontuar as principais causas da crise paradigmática que repercutiram diretamente na Ciência, na Arte e na Ética.

Os termos pré-moderno, moderno e pós-moderno encerram um conjunto de significações que comumente são ligadas à questão do tempo, de uma possível divisão histórica, consubstanciando um conjunto de referenciais. A palavra moderno está associada quase que habitualmente à percepção do recente, daquilo que se refere aos dias atuais, já o pré-moderno está ligado a tudo que é passado, velho, enquanto que o pós-moderno é relativo a uma possível superação do moderno. Todavia, essa divisão histórica não é hegemônica, existindo, inclusive, um entendimento de que se estaria operando na fase moderna e não em um pós-moderno. O que não se pode esquecer é que um extenso processo histórico está em andamento modelando a sociedade e influenciando diretamente mudanças de paradigmas na ciência em geral.

Fundamentando contextualmente nossa pesquisa na busca de um paradigma psicofísico, aqui conceituamos o que vem a ser um paradigma dentro de uma trajetória que tem como referenciais a pré-modernidade, a modernidade e a pós-modernidade, assinalando alguns pressupostos epistemológicos destas fases e suas relações com o conhecimento científico-filosófico.

PARADIGMA: UMA BREVE CONCEITUAÇÃO


Buscou-se, primeiramente, fixar um entendimento acerca do termo paradigma, uma vez que o uso popular indiscriminado causou um esvaziamento do seu real significado. Assim, tendo em conta que a utilização do termo no âmbito científico é comum e necessitar-se-ia dele para efeitos da presente pesquisa, verificou-se inicialmente que seu uso mais comum é o de modelo teórico tido como hegemônico. Mas também, é utilizado em menor escala como linhas teóricas de pesquisa. Aparentemente, há um consenso entre os estudiosos de o termo ter sido utilizado pela primeira vez por Thomas Kuhn, em sua obra As estruturas das revoluções científicas:

como sinônimo de teoria, com as expressões: “orientação teórica” ou “perspectiva teórica”, significando o entendimento do mundo, das asserções que as pessoas têm sobre o que é importante para o mundo funcionar (1994, p. 215).

Edgar Morin (1996), bastante citado pelos estudiosos em geral, expõe um conceito que supostamente, vai além do conceito fornecido por Kuhn, inclusive ressaltando uma espécie de relação dominadora quando afirma que:

Paradigma significa um tipo de relação muito forte, que pode ser conjunção, disjunção, que possui uma noção lógica entre um conjunto de conceitos mestres (1996, p. 225).

Por fim, é importante ainda registrar o conceito fornecido por Capra, outro autor bastante referenciado nos estudos em geral sobre a temática, quando afirma que paradigma é:

Uma constelação de concepções, valores, percepções e práticas compartilhadas por uma comunidade e que dá forma a uma visão particular de realidade, a qual constitui a maneira pela qual a comunidade se organiza (1996, p.31).

A história tem demonstrado que a denominação de paradigma sofre uma mudança constante ao longo do tempo, fruto da própria evolução da humanidade. Behrens e Oliari (2007, p. 54-55) asseveram que, se de um lado os paradigmas são necessários, pois fornecem um referencial que possibilita a organização da sociedade, por outro lado podem limitar a visão de mundo quando há resistência à mudança e persistência em se manter no paradigma conservador. Morin (2000, p. 25 apud BEHRENS e OLIARI, 2007, p. 55) diz que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles”.

Observa-se que essas definições apresentam um mundo em que um conjunto de ideias, de concepções, de dogmas torna-se dominante e arraigado à determinada cultura. Este conjunto de ideias vai ganhando forças com o passar do tempo e torna-se poderoso, porque fornece explicações que podem ser admitidas ou aceitas a um determinado fenômeno estudado. Interessante observar que o paradigma também vai ganhando força pelo recebimento de incrementos, isto é, os pesquisadores, individuais ou coletivos, acrescentam algo a mais ao paradigma estabelecido.

De acordo com essas compreensões apresentadas, adota-se, para efeito do presente estudo e do que será apresentado nos parágrafos seguintes, o entendimento de que paradigma significa uma orientação teórica, um modelo a ser seguido.

PRÉ-MODERNIDADE: O GRANDE NINHO DO SER

O primeiro paradigma tem sua previsão no momento da história denominado por alguns de pré-moderno. Sabe-se que a Idade Média está marcada pelos fatos históricos ocorridos nos países da Europa, pois desfrutava de uma visão de mundo extremamente ligada à Natureza, e, levava em consideração a relação existente entre o mundo material e o mundo espiritual, porém, com destaque a tudo que fosse ligado ao Divino.

Neste período, tem-se a prática intensa das grandes navegações e descobrimentos marcada pela busca de novas terras, riquezas em geral e expansão da própria igreja e seus dogmas. A partir dessa visão de mundo, nasce uma ciência estruturada nas visões agostinianas, aristotélicas e platônicas, pondo-se em relevo a ética e as questões da alma humana. Vale ressaltar a importância da teologia, para a qual a própria filosofia servia de embasamento, preocupada constantemente com o destino da alma após a morte.

No período medieval o homem sacralizava a realidade, uma vez que tudo era criação de Deus e havia o entendimento de que o Universo era harmônico, portanto, objeto de contemplação constante. Predominava o autoritarismo e quem discordava dos textos sagrados estava condenado à morte. Por este e outros motivos não houve grande desenvolvimento científico neste período. Tecendo um panorama acerca da organização de vida deste período, a pesquisadora Nonata, assim asseverou:

A vida em sociedade se organizava num sistema dualista à moda da organização aristotélica do universo que se dividia em mundo supralunar, a perfeição; e mundo sublunar, a imperfeição (2007, p. 268).

Ao destacar em seus estudos o aspecto espiritual do ser humano, suas relações com o divino e as grandes religiões do mundo que influenciam diretamente a humanidade ainda hoje, Wilber constata que

[…] na sua maior parte, os grandes sistemas de espiritualidade – cristianismo, judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo, taoismo, religiões indígenas – são parte do legado da pré-modernidade (2000a, p.73).

Wilber, nesta mesma obra, continua tecendo considerações em busca de entender quais os motivos que proporcionaram visões de mundo tão díspares, muitas vezes tão radicais, limitadas com o fim de buscar o conhecimento do ser. Ele registra que isto tudo:

[…] significa apenas que as suas raízes e os seus fundamentos foram, em grande medida, assentados em épocas pré-modernas, e que as suas visões de mundo são profundamente moldadas por correntes pré-modernas (2000a, p. 73).

Importa ressaltar no que Wilber afirmou acima que a cultura desta época tinha como característica o fato do homem acreditar na revelação divina. A verdade era inspirada por Deus. Este pensamento tem origem no fato de que todos os fenômenos da Natureza tinham como origem os Deuses. Havia neste período uma extrema predominância dos dogmas ou mitos e contra estes não se podia questionar.

Como a Natureza tinha um destaque especial neste cenário, Moraes (2000, p. 32-33) diz que “a visão de mundo era orgânica, vivenciada […] pela interdependência dos fenômenos materiais e espirituais”. Acrescenta ainda: “havia a ideia de um mundo vivo, espiritual e encantado”. O acesso à verdade era desencadeado por meio de ritos ordenados por alguns poucos iniciados. É nesta era que a humanidade constrói seu primeiro paradigma da ciência, tendo como bases paradigmáticas a existência de dois mundos: o real e o sobrenatural (BEHENS e OLIARI, 2007, p. 56).

Um dos aspectos mais importantes dessa época e que resistiu ao tempo, segundo Wilber (2000, p. 19) foi o Grande Ninho do Ser – conforme pode ser visto na figura acima no início de nosso texto. Como registra este mesmo autor, o Grande Ninho é a “espinha dorsal da filosofia perene” e “um ingrediente importante para uma abordagem integral” (idem, p. 20). A filosofia perene reflete a base das grandes tradições espirituais do mundo e é o mais fácil acesso à sabedoria.

Ao tratar da visão de mundo que tem sido dominante na maior parte da humanidade civilizada, Wilber destaca a influência que a denominada filosofia perene teve em todo este processo, e registrou que

[…] essa visão de mundo formou, com certeza, o âmago não somente das maiores tradições de sabedoria do mundo, do cristianismo, do budismo e do taoismo, mas também de muitos filósofos, cientistas e psicólogos, do Ocidente e do Oriente, no norte e do sul. Essa filosofia perene se espalhou tanto […] que ou ela é o maior erro intelectual da história da humanidade – erro tão colossalmente espalhado por toda parte que simplesmente nos estonteia -, ou então é a reflexão mais acurada sobre a realidade que já surgiu (1997, p. 46).

Depreende-se, assim, que a filosofia perene buscava compreender a natureza da humanidade e a realidade. Para os adeptos desta filosofia, a realidade não é unidimensional, compõe-se de dimensões, graus ou níveis diferentes, todos, porém, contínuos (WILBER, 1997, p. 46). De forma resumida, estas dimensões vão da matéria ao espírito, e cada dimensão maior transcende e inclui a anterior. Então, a partir disto, tem-se um quadro de crescimento, de desenvolvimento, possuindo uma relação direta com os fins de uma visão Integral. Este é um dos pontos positivos da pré-modernidade.

Wilber (2000) consegue destacar, a partir de seus estudos outro ponto caracterizador dessa época pré-moderna: as culturas possuem arte, ética e ciência.

Estes elementos seriam as esferas de valores culturais, que na pré-modernidade tendem a se fundir. Este mesmo autor registra:

[…]. O problema é que essas esferas tendiam a ser relativamente “indiferenciadas”. Para dar um exemplo, na Idade Média, Galileu não podia olhar livremente pelo seu telescópio e relatar os resultados porque a arte, a moral e a ciência fundiam-se, todas elas, na Igreja, e por isso a moral da Igreja definia o que a ciência podia – ou não podia – fazer. A Bíblia dizia (ou insinuava) que o Sol girava ao redor da Terra e ponto final (p. 76).

Em resumo, pode-se dizer que um ponto forte da pré-modernidade foi o reconhecimento do Grande Ninho do Ser que consubstancia um mapa do potencial humano. Por outro lado, o ponto fraco estaria na não diferenciação plena entre as esferas de valores (arte, ética e ciência) nos níveis do Grande Ninho. Visto as ideias dominantes deste período, com seus pontos positivos e negativos, chega-se à modernidade.

MODERNIDADE: A DIFERENCIAÇÃO E A EVOLUÇÃO DOS TRÊS GRANDES (ARTE, CIÊNCIA E ÉTICA)


O segundo paradigma teria assento a partir dos estudos e contribuições de pelo menos três grandes cientistas da humanidade – Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e Isaac Newton – além de outros não menos importantes, por meio dos quais os conceitos científicos, de uma maneira geral, sofreram uma mudança drástica.

Behrens e Oliari (2007, p. 57), em referência ao período anterior, dizem que “[…] O homem precisava ser liberto e ‘pegar nas suas próprias mãos’ o processo do conhecimento”. Afasta-se qualquer afirmativa irracional, a divinização de todas as coisas. Instaura-se um vácuo espiritual bastante característico de nossa cultura, em face mesmo da mudança em relação à forma de tratar a natureza, o homem consigo mesmo e sua relação com o Universo.

A Física e a Astronomia, de forma revolucionária, lançam a noção de um mundo composto por objetos singulares, distintos, que não fazem parte de outro, dando a ideia de que o Universo seria uma grande máquina em contraposição à noção de mundo orgânico.

Moraes (2000, p. 33-34), refletindo sobre todos os fatos marcantes do período moderno, e após relacioná-los, percebe uma profunda mudança em relação ao período anterior, e certifica que “A visão de um mundo orgânico, vivo, espiritual e encantado passou a ser substituída pela noção de um mundo-máquina”, e na continuidade de seus estudos arremata: “Em consequência, ocorreram mudanças nas relações humanas do ponto de vista social, político e cultural.”

A chamada modernidade, que para alguns tem sua origem fixada de maneira didática no século XV, proporcionou grandes conquistas a partir de avanços significativos, principalmente, no comércio marítimo. O comércio além-mar propiciou estreitar relações com outros países, povos e culturas. Ocorreram, neste período, episódios como o Renascimento, o Racionalismo, o Mercantilismo, dentre outros. Com o Renascimento se buscou reposicionar o homem em seu significado histórico. Já no Racionalismo a visão de mundo passa a ser a de que a realidade do universo é interpretada por meio do racional, de uma lógica, excluindo tudo que for irracional e outros caminhos de explicação dos fatos. Concluí-se, facilmente que, neste período, a natureza perde seu caráter divino e há uma modificação na relação do homem consigo mesmo e com o Universo. No Mercantilismo o que prevalece é o “TER”, a divisão sócio-econômica cresce e os interesses individuais sobrepujam os coletivos.

Na pré-modernidade, como já citado, a Natureza era objeto de investigação sempre com a finalidade de encontrar a harmonia do ser com o Universo, visto que este é obra de Deus. Na visão de mundo da modernidade, onde se compara o Universo a um grande maquinário composto por objetos singulares, introduziu-se a descrição matemática para compreensão da natureza. É necessário destacar para efeito desta pesquisa que com a quantificação dos corpos, houve o privilégio do aspecto objetivo e marginalizam-se os aspectos subjetivos mais íntimos do sujeito. Em dado momento o experimentalismo ganha relevo onde basta apenas a observação dos fatos em si sem necessidade de grandes argumentações lógicas.

Em sequência a tudo isso, os procedimentos científicos oscilavam com as teorias, ora defendendo a indução – inicia pelo particular e chega a conclusões gerais – que seriam testadas e retestadas por novos experimentos, ora defendendo a dedução – que parte do geral e chega ao particular. Foi assim que René Descartes deduziu que a essência da natureza humana está no pensamento e este se encontra separado do corpo. A mente responsável pelo pensamento estaria à parte do corpo, visto como coisa e constituído de partes mecânicas, como uma engrenagem.

É assim que Moraes (2000, p. 37), refletindo de forma mais perspicaz sobre os efeitos desta visão de mundo, afirma de forma categórica que

O dualismo entre matéria e mente, corpo e alma, teve profundas repercussões no pensamento ocidental, com implicações nas mais diferentes áreas do conhecimento humano. O exagerado culto ao intelecto, em detrimento das dimensões do coração e do espírito, vem gerando profundas patologias dissociativas e de grande significação para a humanidade.

A partir das diversas leituras empreendidas em obras ocidentais e orientais, e sempre buscando entender o porquê de tantas dissensões e inquietações, Wilber nos proporciona um quadro de entendimento quando assim se expressa:

Diz-se que a modernidade assinalou a morte de Deus, a morte da Deusa, a mercantilização da vida, o nivelamento das distinções qualitativas, as brutalidades do capitalismo, a substituição da qualidade pela quantidade, a perda de valores e do sentido, a fragmentação da vida mundial, o terror existencial, a industrialização poluente, um materialismo desenfreado e vulgar – e todas essas coisas têm sido, com frequência, resumidas na frase que Max Weber tornou famosa: “o desencantamento do mundo” (2000, p.75).

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KEN WILBER

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Essa visão seria resultado de uma ótica plana da modernidade. É o mesmo autor, Wilber, ao dissertar sobre a integração da ciência e religião em uma de suas mais de vinte obras, quem afirma que também a modernidade

[…] nos trouxe as democracias liberais; os ideais de igualdade, a liberdade e a justiça, independentemente de raça, credo; a medicina, a física, a biologia e a química modernas; o fim da escravidão; o surgimento do feminismo […] (2006, p. 17).

Sensível aos possíveis efeitos dos aspectos devastadores do paradigma tradicional, em que se coloca em situação de ameaça o próprio ser humano, Moraes corrobora com as palavras de Wilber quando registra que

[…] a descrição reducionista representou um certo perigo a partir do momento em que o método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, foi interpretado como sendo a explicação mais completa, a abordagem válida do conhecimento, ao focalizar as partes, ao conhecer as unidades constitutivas, ao retalhar a visão de totalidade.

Representou, também, um certo perigo ao valorizar os aspectos externos das experiências ignorando as vivências internas do indivíduo, ao fundamentar-se sobretudo na razão e nas sensações expressas pelos cinco sentidos (2000, p. 42).

A expressão “desencantamento do mundo” referenciada por Wilber e cunhada por Weber, significa para Pierucci (2003, p. 8) “a produção intelectual weberiana mais importante para o entendimento da modernidade”. Para este último autor o desencantar leva a um novo modo de viver, bem como esclarece que a ciência não consegue dar sentido ao mundo como um todo.

Em que pese parecer uma contradição, a visão do mundo moderno apresenta duas faces, sendo uma ressaltadamente positiva, tendo em conta o sucesso de muitas proposições que viabilizaram o desenvolvimento científico mundial (secularização e publicização do conhecimento, métodos de pesquisa eficazes, dentre outros), e a outra negativa, no sentido de uma radicalização de posturas que culminou em um reducionismo, em que o racionalismo científico concebeu o método analítico e afirmou que ele é a única explicação válida para tudo. Este aspecto negativo também está caracterizado por um foco exagerado no estudo das partes como unidades constitutivas, desprezo pela totalidade, valorização excessiva de aspectos externos vistos pela razão e desvalorização de aspectos internos do ser humano. Além do mais, a ciência analisava os fatos a partir dos cinco sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato), o que, por si só, já limita um conhecimento mais profundo.

Particularmente, no campo educacional, Moraes (2000, p. 43) critica enfaticamente o modelo tradicional quando afirma que ele 

Direcionou a nossa educação à supervalorização de determinadas disciplinas acadêmicas, à superespecialização, uma vez que todos os fenômenos complexos, para serem compreendidos, necessitam ser reduzidos às suas partes constituintes.

A crise na Educação parece requisitar uma visão de unidade, evitando ou eliminando por completo visões ou concepções separatistas, fato que se leva a repensar o modelo de como trabalhar com toda a herança deste período, bem como destacar o que realmente é importante e, só assim, empreender novas propostas de forma mais segura. Wilber destaca o ponto que chamou de esferas de valores culturais e, a partir dele começa a lançar a semente de sua proposta integral quando afirma:

Precisamos é de uma definição ou descrição específica de modernidade que leve em consideração todos esses fatores, tanto os bons (como as democracias liberais) como os ruins (como a disseminada perda de sentido). Vários estudiosos, de Max WeberJürgen Habermans, afirmaram que o que define a modernidade é uma coisa chamada “diferenciação das esferas de valores culturais”, que significa sobretudo a diferenciação da arte, da ética e da ciência.

Enquanto essas esferas anteriormente tendiam a se fundir, a modernidade as diferenciou e deixou que cada uma seguisse no seu próprio ritmo, com seu próprio mérito, usando seus próprios instrumentos, seguindo suas próprias descobertas, livre de intrusões por parte de outras esferas (2000, p.76).

Essa diferenciação nas esferas de valor (arte, ciência e ética) é um importante aspecto que foi denunciado pelos grandes sábios da humanidade, e que Wilber (2000, p. 76-77) destaca para explicar de forma bastante simples todo um desdobramento na chamada crise paradigmática, pois segundo este autor, “[…] Ela nos permite entender tanto os méritos como os desastres da modernidade”.

Contudo, afirma o autor que essas diferenciações “[…] se transformaram em dissociação, fragmentação e alienação. O crescimento virou câncer.” Para Moraes (2000, p. 44), esta é o que se pode chamar hoje de “[…] agonia planetária, cujas soluções devemos começar a buscar para que possamos evoluir e reconstruir a humanidade em novas bases”.

Como já referido anteriormente, todas as dimensões ou aspectos interiores ou subjetivos do ser humano – neste paradigma moderno – simplesmente não eram incluídos como possibilidade de investigação e comprovação, foram descartados, desprezados pela ciência em geral. Assim, como a moral, todas as formas de expressão artística, a intencionalidade, os valores, a contemplação, a espiritualidade etc, não podiam ser mensurados, nem se amoldavam aos métodos de pesquisa hegemônicos, facilmente eram desprezados. Wilber assim se manifesta sobre o assunto:

Foi esse materialismo científico que decretou que as outras esferas de valor eram inúteis, “não-científicas”, ilusórias ou coisa pior. E por essa mesma razão, foi o materialismo cientifico que declarou a inexistência do Grande Ninho do Ser (2000, p. 77).

A modernidade tratou o Grande Ninho do Ser da mesma forma como tratou todos os fenômenos que lhe eram submetidos, isto é, decompôs seus elementos e simplesmente desprezou aquilo que não lhe era considerado científico.

Segundo Wilber (2000, p. 33), “O Grande Ninho é na verdade uma grande holarquia do ser e do conhecer: níveis de realidade e níveis de conhecimento […]”. Assim, os problemas do ser estariam submetidos à ontologia, enquanto os problemas relacionados ao conhecer ficariam no domínio da epistemologia. A modernidade de forma acertada diferenciou esses níveis, porém, não os integrou. Tomou por filho apenas a epistemologia. Eis o problema. A respeito do tema, Wilber diz que 

A Grande Cadeia, até certo grau em que a modernidade a reconheceu de alguma maneira, tornou-se assim, meramente, uma hierarquia de níveis de conhecimento – isto é, uma hierarquia de cognição, tal como foi investigada por Piaget (2000, p. 33).

Verifica-se que a tradicional Grande Cadeia do Ser representa uma intensa concentricidade, isto é, cada nível superior ultrapassa os inferiores, e os engloba, apresentando novos elementos ou qualidades. Os níveis superiores não podem ser reduzidos aos inferiores, nem muito menos por eles explicados, mas estes níveis formam um todo. Este é o verdadeiro sentido de uma visão integral, o que não foi observado, segundo as palavras de Wilber (2000, p.77):

De acordo com o materialismo cientifico, o Grande Ninho de matériacorpo, alma e espírito poderia ser totalmente reduzido a sistemas de matéria apenas; e a matéria – ou a matéria/energia -, quer seja no cérebro material, quer nos sistemas de processos materiais – responderia por toda a realidade, sem que nada sobrasse. Foi-se a mente e foi-se o espírito – na verdade, toda a Grande Cadeia se foi, com exceção do seu mesquinho elo inicial – e no lugar dela, como Whitehead se lamentou numa frase famosa, permaneceu a realidade como “algo enfadonho, sem som, sem cheiro, sem cor, apenas precipitação de material, incessantemente e sem sentido”. (Ao que ele acrescentou: “Dessa maneira, a filosofia moderna foi arruinada.”).

Todas essas informações têm um significado muito profundo para aqueles que apostam em um futuro melhor, pois chamam a atenção para a imprescindibilidade do desenvolvimento de técnicas e ou práticas sócio-culturais – filosóficas, científicas e educacionais -, que tenham sua convergência principal para a formação do ser humano de forma plena, completa e integral. Isto fica bastante claro quando Wilber faz as seguintes considerações:

E foi assim que o Ocidente moderno tornou-se a primeira grande civilização, em toda a história da raça humana, a negar realidade substancial ao Grande Ninho do Ser. É nessa negação maciça que tentaremos introduzir novamente a consciência, o interior, o profundo, o espiritual, e desse modo avançar suavemente em direção a um abraço mais integral (2000, p. 77).

Atualmente, no que diz respeito à educação institucionalizada, existe uma grande preocupação, pois, os paradigmas modernos dominantes continuam a influenciar a área educacional e prosseguem gerando comportamentos preestabelecidos sempre em busca da certeza das coisas sem maiores questionamentos. Há a cobrança da memorização recompensando com títulos como “aluno destaque”, “cérebro”, “zero 1”, “crânio”, etc.

Na prática pedagógica os alunos sentam em carteiras dispostas a manter a autoridade do professor e presos à dimensão racional instrumental. Na grande maioria dos casos, instrui-se o aluno para o desempenho de alguma atividade. Moraes diz que

[…] a escola atual continua influenciada pelo universo estável e mecanicista de Newton, pelas regras metodológicas de Descartes, pelo determinismo mensurável, pela visão fechada de um universo linearmente concebido (2000, p. 50).

Esta mesma autora, a partir da constatação da poderosa influência do paradigma moderno para a educação, principalmente nos aspectos negativos, afirma categoricamente que

Na verdade, precisamos fugir do modelo cartesiano-newtoniano fechado, fragmentado, autoritário, desconectado do contexto, que concebe o sistema educacional e o ser humano como máquinas que reagem a estímulos externos. Esse modelo continua seguindo um enfoque gerencial de produção de conhecimento para consumo, por parte de uma população “amorfa”, absolutamente indiferenciada. Um modelo que continua definindo comportamentos de entrada e saída numa verdadeira “linha de montagem”, sequencial, hierárquica, previamente estruturada pelo professor ou pelo planejador em seu gabinete e completamente alienada do contexto sociocultural do indivíduo. Um modelo que continua avaliando padrões de comportamento previamente definidos, em que o “erro” é visto como elemento de punição e de controle do sistema. Acreditamos que é preciso ir um pouco mais além das propostas parabólicas, pensando que, com isso, estaremos dando um salto para o futuro. Caso contrário, corremos o risco de estar dando mais um salto no escuro (MORAES, 2000, p. 54).

A crise no mundo se tornou extensiva a todas as dimensões e locais. A sociedade está marcada por uma profunda desigualdade e desrespeito ao ser humano. Os atuais referenciais adotados de forma apaixonada por cientistas e intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento, simplesmente já não conseguem dar conta dos milhares de problemas existentes, muito menos apontar possíveis soluções. São depositadas esperanças no terceiro período dito pós-moderno, caracterizado por novos estudos, propostas, pressupostos e olhares, num movimento intenso em busca de uma totalidade do entendimento mesmo do tecido do universo. Mas fica o questionamento de Wilber (2000, p. 178), “O que há com relação à pós-modernidade que a torna tão diferente da modernidade?” Este mesmo autor dá uma resposta e fala de uma nova abordagem quando registra que 

Veremos que há também muitos fatores, mas todos eles podem, de modo bastante geral, ser resumidos dizendo-se que constituem uma tentativa para ser inclusivos – para evitar “marginalizar as muitas vozes e pontos de vista que uma poderosa modernidade muitas vezes omitiu; para evitar uma “hegemonia” da racionalidade formal que, com frequência, reprime o não-racional e o irracional; para convidar todas as raças, todas as cores, todas as pessoas, todos os sexos numa coalizão irisada de respeito e reconhecimento mútuos. Essa inclusividade é, com frequência, chamada simplesmente de “diversidade” (ou de “multiculturalismo” ou de “pluralismo”), e está no âmago da abordagem construtiva pós-moderna […].

A partir da constatação de que houve uma cisão nos Três Grandes, isto é, uma indevida forma de separar a ciência, a arte e a ética – o que marginalizou todas as outras formas de ser e conhecer – surge a ideia consubstanciada numa tentativa efetiva de ser mais inclusivo, holístico, integral, não exclusivista. É por isso que Wilber (2000, p 178) diz que “A pós-modernidade foi uma contra-tentativa de incluir os Três Grandes em vez de apenas diferenciá-los e dissociá-los”.

Percebe-se facilmente que Wilber usou a palavra “contra-tentativa”, e isto significa que são atos que têm a finalidade de pôr em execução determinadas ideias ou projetos. São ensaios e experimentações da pós-modernidade. Estas novas abordagens, em sua maioria, comungam de pelo menos três hipóteses básicas:

A realidade não é, em todos os sentidos, dada a nós, mas em alguns sentidos significativos, ela é uma construção, uma interpretação (essa visão é, com frequência, chamada de construtivismo). O significado depende do contexto e os contextos são ilimitados (isso, com frequência, é chamado de contextualismo). A cognição não deve, portanto, privilegiar excessivamente uma perspectiva única (isto é chamado de integral-aperspectivismo) (WILBER, 2000a, p.182).

Diante dos pontos fortes e fracos da modernidade acima apresentados, faz-se necessário conhecer a pós-modernidade.

PÓS-MODERNIDADE: UMA TENTATIVA DE SER INCLUSIVO


Inicialmente, chama-se a atenção para um fato que, muitas vezes, passa despercebido a maioria das pessoas: quando se trata de pós-modernidade, esta expressão tende a significar tudo aquilo que ultrapassa, suplanta o período anterior.

Assim, o “pós” congrega uma rede de teorias, conceitos e modelos que buscam sobrepujar aquilo que está posto. Fala-se em pós-estruturalismo, pós-racionalismopós-liberalismo, pós-capitalismo, pós-industrialismo, pós-metafísico, etc.

Numa visão bastante geral, podem-se registrar algumas características peculiares do tempo atual: sofre-se a forte influência da mídia que abre espaço para um pluralismo cultural, uma quebra de fronteiras, com trocas de informações numa velocidade instantânea proporcionada pelo novo mundo virtual; mudanças nos sistemas produtivos, no trabalho, na família, no lazer; tudo é codificado e criptografado nos sistemas http:// www e nos códigos de barras; o planeta foi mapeado e geo-referenciado por meio dos poderosos satélites; celebra-se o consumo como expressão pessoal; a cultura narcisista se faz presente na imprensa escrita e falada; individualismo, fragmentação, complexidade; as guerras passaram a ter outros formatos e interesses; tudo está globalizado; AIDS, câncer, loucura, depressão, suicídios, tráfico de órgãos e de pessoas, vírus etc.

Ao tratar acerca dos paradigmas da ciência, com sua influência na sociedade e na Educação, Behrens (1999, p. 18) destaca um aspecto positivo oriundo do período anterior, pois

Acredita-se que o paradigma newtoniano-cartesiano se caracterizou como uma trajetória necessária no processo evolutivo do pensamento humano e não como um erro histórico.

Cardoso (1995 apud BEHRENS, 1999, p. 28), de forma perspicaz, afirma que a “formação de um novo paradigma ocorre nas entranhas do anterior. E este por sua vez, nunca desaparecerá totalmente”. Quanto à superação e à possível nulidade do paradigma anterior pelo novo, Behrens (1999, p. 27) esclarece que

[…] a superação de um paradigma científico não o invalida, não o torna errado ou nulo, mas evidencia que seus pressupostos e determinantes não correspondem mais às novas exigências históricas. A passagem para um novo paradigma não é abrupta e nem radical. É um processo que vai crescendo, se construindo e se legitimando. Na realidade, o novo paradigma incorpora alguns referenciais significativos do velho paradigma e que ainda atendem aos anseios históricos da época.

Pierre Weill (apud BRANDÃO e CREMA, 1991, p. 16) ressalta que “nosso mundo está em crise, provocada por lacunas e falhas do paradigma reinante e suas extrapolações”. Após constatar que a ciência moderna contempla enfaticamente os aspectos externos das experiências, Behrens (1999, p. 24) diz que “a crise no mundo se estende em todas as dimensões, mas atinge a Educação de maneira acentuada”.

Acontece que a pós-modernidade também apresenta aspectos positivos e negativos, e incorre por parte daqueles menos desavisados ou extremamente apaixonados nas mesmas falhas que os pré-modernos e modernos. Segundo Wilber (2000, p.182), “Os pós-modernistas extremados não apenas enfatizam a importância da interpretação, como também proclamam que a realidade nada mais é que interpretação (semiologização).” E continua, “[…] a percepção integral aperspectiva se torna uma loucura, […] em face de um milhão de perspectivas, todas com exatamente a mesma profundidade, ou seja nenhuma”. Percebe-se, assim, que persiste um misto de reducionismo e contradição por parte daqueles que deveriam estar apontando caminhos para a superação da crise.

Uma possibilidade para este quadro entristecedor é trazida por Wilber (2000, p. 177) ao sustentar a necessidade de incluírem-se modos de vida mais integrais o “[…] que envolve a integração do que há de melhor na pré-modernidade (o Grande Ninho) e na modernidade (a diferenciação e a evolução dos Três Grandes), resultando numa abordagem mais integral do tipo ‘todos os níveis e todos os quadrantes’”.

Na prática Wilber trabalha os níveis básicos de consciência (matéria, corpo, mente, alma e espírito), e, tendo em vista, que cada ser humano possui, simultaneamente, quatro aspectos (subjetivo/intencional, objetivo/comportamental, inter-subjetivo/cultural e inter-objetivo/social), vai construir de forma extremamente sofisticada um Sistema Operacional Integral. É ele mesmo que afirma: “Creio que não existe outra maneira de se criar uma abordagem genuinamente integral. […]” (WILBER, 2000a, p. 74).

À luz do que foi exposto quanto à crise de paradigmas e suas implicações para a sociedade humana como um todo – aqui dando grande importância à ciência cognitiva – surgem desafios a serem enfrentados e novos paradigmas a serem melhor desvendados. Também fazem parte destes desafios os cenários, que foram e estão sendo construídos de forma extremamente rápida, com mudanças na economia, política, artes, ciências, organizações, serviços, etc., com a criação de uma emergente sociedade globalizada e digitalizada a fim de preparar o futuro que depende em grande parte, das ações do homem no presente. A Educação Integral surge neste cenário extraordinariamente complexo e multifacetado, como uma possibilidade real de que o homem recupere a visão do todo, numa relação harmônica consigo mesmo e com o Universo.

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BIBLIOGRAFIA

1. EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS QUATRO QUADRANTES DO KOSMOS  Autoria Richardson Silva. Acessado em:

<https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/13294/1/Disserta%C3%A7ao%20Richardson%20Silva.pdf>

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