Arquivo mensal: novembro 2006
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Só quem bem compreende a natureza da ciência, poderá com proveito e prazer, e sem perplexidades, aplicar-se aos estudos científicos. Ciência não é coleção de conhecimentos nem busca da verdade, mas sim formação de conceitos(ao descrevermos o domicílio do homem no universo, nos utilizamos de vários deles). A física não conta fatos, pois os seus termos: massa, energia, velocidade, não são realidades, e sim os conceitos fundamentais da física, como, aliás, muito bem se diz, mas que freqüentemente nos escapa durante a leitura. Os conceitos, então, são instrumentos do pensamento, artificialmente construídos, tais, como as chaves de parafusos, são instrumentos que servem para abrir um motor, o qual nada tem a ver com chaves de parafusos; são escadas, pelas quais subimos a uma casa eternamente fechada.
Nós, homens de 2006, denominamos determinado estado de matéria, a alteração deste estado de movimento, certa relação entre dois estados gravitação. Aristóteles não conhecia o conceito de atração e não teria podido discutir com Newton. Newton, por sua vez, não poderia intervir num atual congresso de físicos, pois os conceitos de campo, de quantum, de salto eletrônico, não existiam para ele. Goethe e Shakespeare, diante de um jornal moderno, se sentiriam quase analfabetos. Progresso é aquisição de novos conceitos. Mas o significado dos conceitos antigos também muda. Mãe, dá-me o Sol!… Que é o Sol? Para os gregos representava o ígneo carro em que Hélio, com seus cavalos, andava por sobre a Terra. Para o homem da época gótica, era o olho de Deus. Depois Galileu o identificou com uma esfera de fogo. Nós pensamos hoje o que há cem anos ninguém poderia pensar, e nenhum de nós pode formar a idéia daquilo que os homens imaginarão daqui a cem anos quando pronunciarem a palavra Sol. Será algo muito diverso do que pensava o Osvaldo de Ibsen quando dizia no início de sua alienação mental: Mãe, dá-me o Sol.
Mas, o conceito de espaço é o mais difícil de todos. De gato ou Sol, podemos, pelo menos, ter uma idéia, errada ou certa. O espaço, todavia, não podemos imaginá-lo; pois só é possível compreender conceitualmente aquilo de que podemos pensar o contrário. Assim podemos dizer dia, porque a noite existe, vida, porque conhecemos a morte, silêncio, porque há ruído. Se não houvesse ruído, não haveria o conceito de silêncio. Não é possível representarmos o espaço, porque não podemos imaginar o contrário do espaço, o não-espaço. Estamos, como diz Einstein, tão profundamente mergulhados no espaço, como um peixe nas águas do oceano. Como este jamais chegará ao conhecimento de que se encontra no oceano, assim o homem jamais saberá o que seja o espaço. Teria que vir um pescador que nos tirasse para fora dele. Virá um. Mas, então, já será demasiado tarde…
Através das idéias acima, desenvolvidas por Fritz Kahn, em sua obra O Livro da Natureza, demonstramos o caráter relativo do conhecimento científico. Entretanto, essa forma de tratar os conceitos na física, originou-se da revolução operada por Kantno campo da epistemologia: este estabeleceu que, ao homem, somente é permitido conhecer os fenômenos (ou seja, impossível é, ao ser humano, conhecer a “coisa em si”). Daí em diante, então, com a evolução do empirismo dando origem ao positivismo, os grandes cientistas se deterão na descrição dos fenômenos, abstendo-se, porém, de interpretá-los metafisicamente. Assim, se negligenciará a imaginação da realidade e se dará maior atenção ao seu modelo formal, pois, importará à ciência, somente a previsão do futuro que tal modelo permite antever: o que seja a realidade em si mesmo, não interessa. Não obstante, ainda, é importante esclarecermos que tal modelo, como confirmado por Bachelard, se constituindo conforme o desenvolvimento dos conceitos, das representações (localizadas, então, como vimos, dentro de nosso cérebro), evolui através de um processo dialético entre o racionalismo e o empirismo: a verdade, aquela afirmada pelo tal paradigma sobre a Natureza, é, sim, apenas uma hipótese; ou seja, ao longo das idealizações e materializações sucessivas, pode esta verdade cair em contradição, ou numa inverdade, e, assim, ensejar uma nova revolução dos conceitos, gerando, então, novas verdades. Na definição da ciência física atual, encontrada na Nova Enciclopédia Barsa, é visível tal caráter dialético: “Física é a ciência que estuda os fenômenos naturais pela aplicação de um método regido por determinados princípios gerais e disciplinado por relações entre experimento e teoria”. Vê-se, ai, que, ao experimento, está ligado o empirismo e, à teoria, o racionalismo.
Sabemos, agora, que qualquer fenômeno do mundo é dúplice: em primeiro lugar, uma realidade, isto é, algo que existe fora do nosso cérebro, no mundo exterior; e, em segundo lugar, uma representação que nós formamos dessa realidade dentro de nosso cérebro. Mas, lendo Einstein, em seu livro A Evolução da Física, nos salta aos olhos a causa da grande confusão que todos fazemos entre representação e realidade quando nos confrontamos com os conceitos da física moderna. Desde criança, diz Einstein, desenvolvemos um forte condicionamento, causado pelo realismo ingênuo, segundo o qual, quando observamos um dado objeto, somos levados, naturalmente, a tomarmos o fenômeno pela coisa em si, o objeto, o real. Como veremos, abaixo, isto trouxe conseqüências nefastas à construção do conhecimento ao longo de toda a história. Ainda, porém, é sabido de todos que, os filósofos realistas, fazendo distinção entre o fenômeno e a coisa em si, admitem, sim, que a inteligência é capaz mesmo de captar o ser no fenômeno e através dele, e que a razão, apoiando-se sobre os primeiros princípios, está capacitada para determinar as causas e os princípios do ser. Entretanto, a possibilidade de qualquer metafísica é negada pelos filósofos empiristas, positivistas e idealistas, que afirmam não conhecermos outra coisa a não ser os fenômenos. Se levarmos em conta tais aspectos filosóficos, no sentido de iluminar nossas especulações, vemos que Einstein, sem entrar no mérito da questão, ressalta, em seus escritos, única e exclusivamente a ação negativa que o realismo ingênuo desencadeia em nossa percepção do real, prejudicando-a. Através da falsa concepção que Aristóteles desenvolvera quanto à relação entre força e velocidade, podemos exemplificar tal fato: concebendo o conceito de força através da intuição que temos do que seja o esforço físico (empurrão ou puxão) para deslocar um corpo material, o estagirita afirmou ser a velocidade função da força; ora, a intuição, que é o instrumento por excelência de qualquer metafísico, sendo utilizada erroneamente por Aristóteles, fez este tomar a representação, do ato de empurrar algo, pela coisa em si, deixando, então, escapar o verdadeiro significado da grandeza que denominamos força. Galileu, porém, fazendo uso da experimentação, e, portanto, adotando um estudo objetivo do fenômeno (ou seja, fazendo a distinção entre representação e realidade), conseguiu, estabelecendo um novo conceito, a aceleração, descobrir, verdadeiramente, com quem a força estava relacionada: força é função, sim, da aceleração. Portanto, é possível empurrarmos dado objeto realizando muito esforço, mas, devido ao atrito deste com o solo, tal pode permanecer parado; ou ainda, podemos não estar exercendo qualquer esforço nesse mesmo objeto e, no entanto, tal se mover, em condições ideais, com velocidade constante.
Julho 2006.
THE RISE OF THE NEW PHYSICS – PREFÁCIO À EDIÇÃO AMERICANA
PREFÁCIO
Tradução Rogério Fonteles Castro
Pós-Graduação em Física
Universidade Federal do Ceará
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