Arquivo mensal: novembro 2006

PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

Poeticamente, eis o Universo: espaço, sem princípio e sem fim. Escuro, vazio, frio, – 270°C no espaço interestelar. Através da silenciosa noite deste espaço, movem-se esferas luminosas, afastadas umas das outras por inimagináveis distâncias: os sóis. Em torno destes, a distâncias também inimagináveis, perdidas no espaço, giram esferazinhas que, dos “seus sóis”, recebem luz e calor: os planetas. Uma destas esferazinhas, deslizando solitária à luz de um dos inumeráveis sóis do espaço infinito, é a Terra… Eis o domicílio do homem no Universo.Mas o espaço, como qualquer fenômeno* do mundo, é dúplice: em primeiro lugar, uma realidade, isto é, algo que existe fora do nosso cérebro, no mundo exterior; e, em segundo lugar, uma representação que nós formamos dessa realidade dentro de nosso cérebro. Exteriormente ao cérebro, então, a realidade é qualquer coisa de substancial. As representações que dessa realidade nós criamos, são produtos do cérebro humano e mudam de homem para homem e de geração para geração.

 
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*Conceito genérico que designa, nas ciências exatas, toda modificação da matéria por meio de agentes químicos ou físicos. Designa em filosofia tudo que é percebido pelos sentidos e a experiência.
Observemos um gato que se encontra no canto da minha escrivaninha. O que é um gato toda gente julga sabê-lo. Na verdade, ninguém o sabe. Perguntemos às pessoas o que é um gato e logo apreendemos o que qualquer indivíduo imagina ser um gato, mas ninguém nos pode dizer o que é um gato. Das coisas, o homem não sabe o que elas são, porém apenas o que a respeito delas ele pensa, e, segundo uma regra psicológica que se poderia designar por autoconsciência recíproca, crêem, os homens, tanto melhor conhecer uma coisa, quanto menos dela sabem. A criança exclama, rindo: não saberei eu o que é um gato?! Mas o filósofo sabe que está diante de um problema insolúvel. É possível, num segundo, perfurar o gato com uma agulha; mas nem em quarenta anos de pesquisa diária, será possível penetrar um milímetro sequer na alma desta criatura que para todos os tempos continuará a ser uma Esfinge no canto da nossa escrivaninha…

Só quem bem compreende a natureza da ciência, poderá com proveito e prazer, e sem perplexidades, aplicar-se aos estudos científicos. Ciência não é coleção de conhecimentos nem busca da verdade, mas sim formação de conceitos(ao descrevermos o domicílio do homem no universo, nos utilizamos de vários deles). A física não conta fatos, pois os seus termos: massa, energia, velocidade, não são realidades, e sim os conceitos fundamentais da física, como, aliás, muito bem se diz, mas que freqüentemente nos escapa durante a leitura. Os conceitos, então, são instrumentos do pensamento, artificialmente construídos, tais, como as chaves de parafusos, são instrumentos que servem para abrir um motor, o qual nada tem a ver com chaves de parafusos; são escadas, pelas quais subimos a uma casa eternamente fechada.

Nós, homens de 2006, denominamos determinado estado de matéria, a alteração deste estado de movimento, certa relação entre dois estados gravitação. Aristóteles não conhecia o conceito de atração e não teria podido discutir com Newton. Newton, por sua vez, não poderia intervir num atual congresso de físicos, pois os conceitos de campo, de quantum, de salto eletrônico, não existiam para ele. Goethe e Shakespeare, diante de um jornal moderno, se sentiriam quase analfabetos. Progresso é aquisição de novos conceitos. Mas o significado dos conceitos antigos também muda. Mãe, dá-me o Sol!… Que é o Sol? Para os gregos representava o ígneo carro em que Hélio, com seus cavalos, andava por sobre a Terra. Para o homem da época gótica, era o olho de Deus. Depois Galileu o identificou com uma esfera de fogo. Nós pensamos hoje o que há cem anos ninguém poderia pensar, e nenhum de nós pode formar a idéia daquilo que os homens imaginarão daqui a cem anos quando pronunciarem a palavra Sol. Será algo muito diverso do que pensava o Osvaldo de Ibsen quando dizia no início de sua alienação mental: Mãe, dá-me o Sol.

Mas, o conceito de espaço é o mais difícil de todos. De gato ou Sol, podemos, pelo menos, ter uma idéia, errada ou certa. O espaço, todavia, não podemos imaginá-lo; pois só é possível compreender conceitualmente aquilo de que podemos pensar o contrário. Assim podemos dizer dia, porque a noite existe, vida, porque conhecemos a morte, silêncio, porque há ruído. Se não houvesse ruído, não haveria o conceito de silêncio. Não é possível representarmos o espaço, porque não podemos imaginar o contrário do espaço, o não-espaço. Estamos, como diz Einstein, tão profundamente mergulhados no espaço, como um peixe nas águas do oceano. Como este jamais chegará ao conhecimento de que se encontra no oceano, assim o homem jamais saberá o que seja o espaço. Teria que vir um pescador que nos tirasse para fora dele. Virá um. Mas, então, já será demasiado tarde…

Através das idéias acima, desenvolvidas por Fritz Kahn, em sua obra O Livro da Natureza, demonstramos o caráter relativo do conhecimento científico. Entretanto, essa forma de tratar os conceitos na física, originou-se da revolução operada por Kantno campo da epistemologia: este estabeleceu que, ao homem, somente é permitido conhecer os fenômenos (ou seja, impossível é, ao ser humano, conhecer a “coisa em si”). Daí em diante, então, com a evolução do empirismo dando origem ao positivismo, os grandes cientistas se deterão na descrição dos fenômenos, abstendo-se, porém, de interpretá-los metafisicamente. Assim, se negligenciará a imaginação da realidade e se dará maior atenção ao seu modelo formal, pois, importará à ciência, somente a previsão do futuro que tal modelo permite antever: o que seja a realidade em si mesmo, não interessa. Não obstante, ainda, é importante esclarecermos que tal modelo, como confirmado por Bachelard, se constituindo conforme o desenvolvimento dos conceitos, das representações (localizadas, então, como vimos, dentro de nosso cérebro), evolui através de um processo dialético entre o racionalismo e o empirismo: a verdade, aquela afirmada pelo tal paradigma sobre a Natureza, é, sim, apenas uma hipótese; ou seja, ao longo das idealizações e materializações sucessivas, pode esta verdade cair em contradição, ou numa inverdade, e, assim, ensejar uma nova revolução dos conceitos, gerando, então, novas verdades. Na definição da ciência física atual, encontrada na Nova Enciclopédia Barsa, é visível tal caráter dialético: “Física é a ciência que estuda os fenômenos naturais pela aplicação de um método regido por determinados princípios gerais e disciplinado por relações entre experimento e teoria”. Vê-se, ai, que, ao experimento, está ligado o empirismo e, à teoria, o racionalismo.

Sabemos, agora, que qualquer fenômeno do mundo é dúplice: em primeiro lugar, uma realidade, isto é, algo que existe fora do nosso cérebro, no mundo exterior; e, em segundo lugar, uma representação que nós formamos dessa realidade dentro de nosso cérebro. Mas, lendo Einstein, em seu livro A Evolução da Física, nos salta aos olhos a causa da grande confusão que todos fazemos entre representação e realidade quando nos confrontamos com os conceitos da física moderna. Desde criança, diz Einstein, desenvolvemos um forte condicionamento, causado pelo realismo ingênuo, segundo o qual, quando observamos um dado objeto, somos levados, naturalmente, a tomarmos o fenômeno pela coisa em si, o objeto, o real. Como veremos, abaixo, isto trouxe conseqüências nefastas à construção do conhecimento ao longo de toda a história. Ainda, porém, é sabido de todos que, os filósofos realistas, fazendo distinção entre o fenômeno e a coisa em si, admitem, sim, que a inteligência é capaz mesmo de captar o ser no fenômeno e através dele, e que a razão, apoiando-se sobre os primeiros princípios, está capacitada para determinar as causas e os princípios do ser. Entretanto, a possibilidade de qualquer metafísica é negada pelos filósofos empiristas, positivistas e idealistas, que afirmam não conhecermos outra coisa a não ser os fenômenos. Se levarmos em conta tais aspectos filosóficos, no sentido de iluminar nossas especulações, vemos que Einstein, sem entrar no mérito da questão, ressalta, em seus escritos, única e exclusivamente a ação negativa que o realismo ingênuo desencadeia em nossa percepção do real, prejudicando-a. Através da falsa concepção que Aristóteles desenvolvera quanto à relação entre força e velocidade, podemos exemplificar tal fato: concebendo o conceito de força através da intuição que temos do que seja o esforço físico (empurrão ou puxão) para deslocar um corpo material, o estagirita afirmou ser a velocidade função da força; ora, a intuição, que é o instrumento por excelência de qualquer metafísico, sendo utilizada erroneamente por Aristóteles, fez este tomar a representação, do ato de empurrar algo, pela coisa em si, deixando, então, escapar o verdadeiro significado da grandeza que denominamos força. Galileu, porém, fazendo uso da experimentação, e, portanto, adotando um estudo objetivo do fenômeno (ou seja, fazendo a distinção entre representação e realidade), conseguiu, estabelecendo um novo conceito, a aceleração, descobrir, verdadeiramente, com quem a força estava relacionada: força é função, sim, da aceleração. Portanto, é possível empurrarmos dado objeto realizando muito esforço, mas, devido ao atrito deste com o solo, tal pode permanecer parado; ou ainda, podemos não estar exercendo qualquer esforço nesse mesmo objeto e, no entanto, tal se mover, em condições ideais, com velocidade constante.

Parodiando e adulterando, ainda, Fritz Kahn, a ciência, entretanto, como seu nome diz, limita-se àquilo que é possível conhecer. Ou seja, sabendo que a natureza das coisas é incognoscível, o cientista, restringindo-se ao estudo dos fenômenos e ao uso do método científico, limita-se assim a descrevê-las; porém, procura (e essa é sua finalidade) a forma mais breve e mais clara. Mas a melhor descrição é a fórmula matemática. No ano de 1500, Leonardo da Vinciescrevia que em cada disciplina há tanta ciência verdadeira quanto haver nela matemática. Toda ciência almeja tornar-se matemática. Quando, para uma descrição, se consegue a fórmula matemática, não há nada que acrescentar-lhe. 1 + 1 = 2é uma fórmula definitiva, além da qual nada há que indagar. Com as leis que os físicos do século XIX descobriram e puseram em fórmulas, a ciência, nesses domínios da física fundamental, chegou à sua finalidade ideal: a matemática. Ela orienta-se então para problemas, para os quais ainda não foi descoberta nenhuma fórmula. Pode-se muito bem imaginar que a ciência venha a atingir aquele ponto em que todo o cognoscível fique encerrado em fórmulas matemáticas, e que depois nada haja que indagar. Para além deste edifício de fórmulas, estará, então, como o céu para além do horizonte da paisagem, a imensidade do incognoscível, o eterno Mistério.No mais, seguindo a linha mestra que D’abro impôs à sua obra e levando em consideração as idéias desenvolvidas aqui em nosso prefácio, acrescentaremos, sempre ao final de cada capítulo, algumas notas; nosso intuito, aqui, visa, sobretudo, proporcionar ao leitor uma maior visão.

 
Fortaleza, CE,
Julho 2006.
 
 
POSTED BY SELETINOF AT 8:15 PM

 

THE RISE OF THE NEW PHYSICS – PREFÁCIO À EDIÇÃO AMERICANA

adabro 
 

PREFÁCIO

Tradução Rogério Fonteles Castro

Pós-Graduação em Física

Universidade Federal do Ceará

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O século XX testemunhou o aparecimento das duas principais teorias de física-matemática: a Teoria da Relatividade e a Teoria do Quantum. Foram concebidas, ambas as teorias, com a finalidade de coordenar certos corpos de fatos que as teorias clássicas não puderam interpretar; e nenhuma teoria teria conseguido se não fosse o aumento do refinamento das medidas experimentais, as quais tornaram a revelação destes fatos possível. Mas, embora as duas teorias tenham nascido debaixo de circunstâncias semelhantes, elas logo se ramificaram em direções opostas. A teoria da relatividade desenvolveu uma doutrina cujo campo principal de aplicação é achado no mundo dos fenômenos das grandes escalas, considerando que a teoria do quantum foi identificada com os processos microscópicos dos mundos atômicos e subatômicos.

Provavelmente, a descoberta mais notável que resultou destas pesquisas é que aqueles fenômenos subatômicos não parecem ser meras repetições, em uma balança microscópica, dos processos macroscópicos com que nós estamos familiarizados em nossa experiência diária. No mundo subatômico, as representações mecânicas e os conceitos clássicos não servem de grande coisa, exceto como suportes a uma imaginação confusa que não se sente a vontade em seus ambientes novos. Daí, quando são utilizados conceitos clássicos na interpretação de fenômenos subatômicos, nos achamos confrontados com dificuldades inesperadas: ondas e partículas parecem se dissolver umas nas outras como se fossem a mesma e, todavia, não uma mesma coisa.

Se o mundo subatômico estivesse nitidamente separado do bem conhecido mundo macroscópico, nós poderíamos ver as novas descobertas como peculiares ao mundo subatômico. Haveria duas físicas então: a física clássica (ou relativística) do mundo macroscópico e a física quântica do mundo microscópico. Porém, os dois mundos não exibem nenhuma separação clara; e, assim, nós temos que supor que as características estranhas do mundo novo também estão presentes no mundo de nossa experiência comum. Se este é o caso, a física clássica, até mesmo no mundo macroscópico, deve ser substituída pele física quântica. Nenhuma inconsistência com os fatos da observação está envolvida nesta conclusão; para os espetáculos da teoria quântica em nosso mundo ordinário, as características estranhas do quantum, deveriam estar de tal modo obscurecidas que, observações de maior refinamento, distante daquelas que nós podemos executar na prática, seriam exigidas para desvendá-las.

As implicações filosóficas das novas descobertas ainda são controversas, as discordâncias principais estão centradas em torno do princípio de causalidade rigorosa. Cientistas clássicos assumiram a validez deste princípio com relação à evolução de sistemas inorgânicos. Dúvidas em sua validez surgiram nos primeiros anos do século XX, quando, a dificuldade no entendimento da lei de radiação, levou Plank a propor a forma inicial da teoria do quantum. Mas naquele momento pensou-se que seriam restabelecidas conexões causais subsequentemente com um entendimento melhor dos fenômenos quânticos, e, assim, nenhuma proeminência especial foi dada às discussões quanto aos méritos da doutrina causal. Então, em 1927, Heisenberg descobrira as suas célebres “Relações de Incerteza” com as quais, então, postularia que um rigoroso esquema determinístico já não pode ser mantido em física. A afirmação de Heisenberg ocasionou uma divisão entre os principais filósofos da natureza. Os teóricos do quantum, representados por Born, Bohr, e Dirac, apoiavam Heisenberg; Bohr, em particular, estabeleceu o “Princípio de Complementaridade” como um substituto para a doutrina causal descartada. Mas, a atitude dos teoristas do quantum foi combatida por Planck e por Einstein, o qual expressou a opinião de que o desarranjo aparente da doutrina causal se devia ao estado incompleto do nosso conhecimento presente e que não se tinha descoberto nenhum indeterminismo fundamental nos processos naturais. Na análise final, a teoria do quantum, como a teoria da relatividade, seria um mero refinamento das teorias clássicas, e, para tal ampliação conceitual, se exigirá uma compreensão melhor da teoria do quantum levando em conta, então, o fundo histórico. Nossa pontaria foi dar, então, numa apresentação semi-popular do crescimento progressivo das novas idéias, a partir das noções mais elementares e dando uma consideração devida para o desenvolvimento matemático sem o qual as novas teorias nunca poderiam ter sido construídas.

Nós dividimos o livro em três partes. Na parte I estabelecemos os fundamentos de filosofia natural (em relação à Física). A parte II contém capítulos em matemática e uma revisão das teorias físicas mais importantes do período clássico. Na parte III nós discutimos as várias teorias do quantum, incluindo, também, informações matemáticas preliminares necessárias à compreensão destas teorias. No último capítulo nós tentamos examinar o estado presente da doutrina de causalidade à luz das novas descobertas. Alguns assuntos poderiam ter sido omitidos: por exemplo, a teoria de grupos de Galois (XIV de Capítulo), as controvérsias na natureza da matemática (XVI de Capítulo), o Problema dos Três Corpos (XVII de Capítulo), e a teoria das transformações de contato (Capítulo XXVI e XXVII), poderiam ter sido suprimidas. Mas nós preferimos manter estes capítulos por várias razões. Nosso interesse por dedicar algumas páginas à teoria de grupos de Galois e entrar em contato com as transformações é que estas teorias são de muito interesse, o suficiente para merecer menção, e nós acreditamos que nenhuma apresentação elementar deles ainda foi determinada. Nós incluímos uma discussão breve do Problema dos Três Corpos porque as tremendas dificuldades matemáticas para atacar este espetacular problema mecânico, aparentemente simples, demonstra como o progresso das físicas teóricas pode ser limitados por obstáculos puramente matemáticos. Por uma razão um pouco diferente nós demos um resumo das controvérsias na natureza da matemática. Em nossa opinião, estas controvérsias se originam das mesmas diferenças psicológicas que parecem ser responsáveis pela controvérsia atual relativa ao princípio de causalidade na Física. Como tal, as controvérsias em matemática ajudam esclarecer a natureza da disputa entre os teoristas do quantum e os oponentes delas. Finalmente, nos estendemos um pouco no tratamento da teoria de Bohr do átomo, pois, esta teoria ilustra a dificuldade de prover interpretações mecânicas para fenômenos subatômicos. Realmente, era a insuficiência da teoria de Bohr, a principalmente responsável pelo desenvolvimento das teorias do quantum mais novas, e a justificação para estas teorias mais novas só pode ser apreciada quando as limitações da teoria de Bohr forem compreendidas. O leitor não-matemático não deverá sofrer séria dificuldade seguindo a apresentação, especialmente nos capítulos mais técnicos (Capítulos XXXI para XL) não é essencial para um entendimento geral das novas idéias, e pode ser omitido por conseguinte.

New York , N. Y.,

Janeiro 1939. 

  

POSTED BY SELETINOF AT 7:53 PM