Arquivo mensal: agosto 2009

FERNANDA ABREU – RIO 40 GRAUS

  

POSTED BY SELETINOF 8:43 AM 

SOBRE O AMOR… EU E O OUTRO…

“ A Psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor.”         

Freud,  numa carta a Jung.

 

Aqui, MYLENE FARMER, em seus vídeos, fala-nos sobre tudo que podemos encontrar no texto escrito e mais além, pois realiza o milagre de nos envolver na própria realidade que o texto busca nos mostrar. Assim, através de sua arte, de sua poesia, Mylene opera em nós algo maior, algo capaz de tornar livre o nosso pensamento, o nosso SER.    

 

Qual o lugar do amor na Psicanálise? Esta é a pergunta que a psicanalista Olivia Bittencourt Valdivia faz em seu artigo: “ A Linguagem Interminável dos Amores”, e que tomamos como nossa. Como podemos diferenciar o amor transferencial do amor cotidiano? Existe um amor transferencial e um amor cotidiano distintamente? Será que o amor transferencial não nos dão pistas sobre o amor cotidiano ou ainda será que o amor cotidiano não nos dão pistas sobre o amor e ódio transferenciais?

Freud humano e apaixonado nos deixa os mapas de sua exploração. Em seu percurso amoroso e sensual e autorizado pôr uma longa experiência clínica, há muito se interrogava sobre a vida amorosa dos homens. Em fins do século passado tentando entender a histérica percebeu que talvez ela quisesse dizer alguma coisa com o seu  corpo. Alguma coisa que não conseguia dizer com palavras. E a histérica falou do sexo, do amor, do ódio e da culpa. Freud sem querer, inaugurou o lugar da Psicanálise, que é na verdade o lugar de uma relação de amor. Nesta relação a libido refaz seus caminhos até a possibilidade de uma relação de amor com o analista, que abre esta possibilidade para a vida do analisando. Freud revolucionou a compreensão da noção de sexualidade colocando o sexual no registro do pulsional, estabelecendo a idéia de uma impossibilidade de satisfação, só encontrada  através da fantasia.”

No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se.

Aristófanes nos conta que nossa antiga natureza não era tal como a conhecemos hoje e sim diversa. Os seres humanos encontravam-se divididos em três gêneros e não apenas doismacho e fêmea – como agora. Havia um terceiro gênero que possuía ambas características e que era dotado de uma terrível força e resistência e, além disso, de uma imensa ambição; tanto que começaram a conspirar contra os deuses. Zeus e as demais divindades viram-se então tendo que tomar providências para sanar tal insubordinação; tinham a alternativa de extinguir a espécie com um raio, como haviam feito com os gigantes, porém perderiam também as homenagens e os sacrifícios que lhes advinham dos humanos. Pôr um outro lado permitir tal insolência pôr mais tempo era impensável. Resolveu-se então parti-los ao meio, desse modo não  só se enfraqueceriam como também aumentariam de número. Assim foi que até hoje, divididos como estamos,  que cada um infatigavelmente procura a sua outra metade.

Essa busca incessante aparece no discurso de nossos analisandos das mais diversas  formas, todos desejam, em última instância ser amados. Todas as histórias narradas podem ser lidas  como histórias de amor. Numa composição binária: atividade e passividade, sadismo e masoquismo, paixão e recato, procura e espera, amar e ser amado, cada um à sua maneira e todos numa mesma composição, desenvolvem o drama de suas paixões num palco cercado pôr quatro paredes.

   

A energia de Eros (libido), faz referência a tudo o que pode sintetizar-se como amor, incluindo : o amor a si mesmo, aos pais, aos filhos, à humanidade, ao saber e aos objetos abstratos. Nele convergem pulsões parciais de ternura, ciúme, inveja e desejos sexuais orientados para os mesmos objetos. O amor é , assim, apresentado como uma ampliação do conceito de sexualidade e ao mesmo tempo ancorado na inadequação radical dos objetos à satisfação sexual, vinculada a um fator de desprazer  inerente `a sexualidade humana.

Freud à partir dos três ensaios sobre a sexualidade, vai descrevendo o processo de sexuação/subjetivação humana, como uma tentativa de convergência das pulsões sexuais infantis (perverso polimorfo) à uma organização genital adulta, na qual estaria presente a possibilidade de reprodução. Na organização genital adulta, as pulsões se unificariam sobre o primado da genitalidade e reencontraria então a fixidez e a finalidade aparentes do instinto. Sabemos, entretanto, que este encontro/reencontro é da ordem do mítico. A pulsão nunca se satisfaz; não pela “inadequação radical dos objetos”, como coloca Olivia, mas pela inadequação da sua própria proposição – satisfazer-se.

A pulsão cega, muda e perdida, encontra seus olhos, sua boca e seu rumo no discurso amoroso. O discurso amoroso que, diga-se de passagem,  não recobre somente aquilo que entendemos como os belos gestos ou as belas palavras, mas também os mais odiosos gestos e as mais estúpidas palavras.

“O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito  (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me  vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.

(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo,  como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”

Este amor revelado num dizer maciço assemelha-se ao dizer psicótico; parece-me que a condição do amor psicótico não leva em conta a distância dos corpos, esta distância que aprendemos a respeitar e que às vezes  nos parece insuportável: “A gente sabe guardar distância: à mesa, no trabalho, na rua, existe um espaço devido. Se me aproximo demais, coro, desculpo-me. Por que tal distância? Eu quero companhia e quero solidão, mas a distância convencional é menor que a pedida pelo desejo de estar comigo e muito maior que a proximidade consoladora dos amigos que faltam.”

A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie  de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos  alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!

Mas seria mesmo só da loucura todas estas atribuições? Me parece que o ser apaixonado também almeja algo parecido: fazer de dois – umO ser apaixonado elege o seu amado à condição de único, onipresente em seus pensamentos e em seu corpo. Onipotente em suas capacidades. Me parece que o ser apaixonado alcança o impossível, e por ser o impossível, não perdura. O impossível é dar nome a algo inominável, é se apropriar de algo inapropriável.

 

Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria  de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo;  quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).

Discutindo sobre o conceito de objeto (a), na teoria lacaniana, Nasio se pergunta: “Quem é o outro, meu parceiro, a pessoa amada? Quando Freud escreve que o sujeito faz o luto do objeto perdido, ele não diz ‘da pessoa amada e perdida’ e sim do ‘objeto perdido’. Por que? Quem era a pessoa amada que se perdeu? Que lugar ocupa para nós a ‘pessoa’ amada? Mas, será realmente uma pessoa?/  Coloquemo-nos no lugar do analisando, que deitado no divã, pergunta a si mesmo: ‘Quem é essa presença atrás de mim? É uma voz? Uma respiração? Um sonho? Um produto do pensamento? Quem é o outro?’ A psicanálise não responderá que o ‘outro é…’, mas se limitará a dizer: ‘ para responder a essa pergunta, construamos o objeto (a).’ A letra (a) é uma maneira de nomear a dificuldade; ela surge no lugar de uma não resposta”.

De uma certa maneira poderíamos dizer que o apaixonado mimetiza a letra (a)  na pessoa amada. O ser amado passa a ser a causa animadora dos desejos do ser apaixonado. Na ilusão de um ser total, completo, no qual nada falta, que lhe pode dar tudo e negar nada. Numa perspectiva lacaniana, o ser amado concebido desta maneira estaria no registro do (A) , grande Outro não barrado. Podemos ver aqui, uma suposta causa de inúmeros sofrimentos de amor, onde o ser apaixonado tenta alcançar no outro algo impossível, um gozo impossível. O assassinato ‘por amor’ talvez reflita um anseio, uma tentativa desesperada, de atingir o outro em sua  imaginada, desejada ‘essência’.

A desejada captura da ‘essência do outro’ na verdade refere-se à uma  busca de nós mesmos; uma procura não apenas de uma suposta  unidade perdida, como também da força determinante, pulsional que nos atravessa e nos constitui. Nos constitui como seres estranhos a nós mesmos. Talvez o ser apaixonado reproduza inconscientemente a alienação primordial ao Outro, numa tentativa de metabolizar (ao estilo da repeticão traumática) esta experiência infantil alienante/constitutiva. Um mergulho na própria imagem especular.

Nossas associações nos levam a pensar nas indicações de Freud quanto aos tipos de escolhas objetais sob as quais uma pessoa pode amar; seriam elas do tipo narcísico e do tipo anaclítico. Nunca encontramos essas categorias em seu estado puro, mas sim mescladas , sobressaindo um pouco mais desta do que daquela. Na paixão o que talvez se destaque seja o amor narcisista, o qual corresponderia à :  a) o que ela própria é, b) o que ela própria foi,  c) o que ela própria gostaria de ser, d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. Na atitude afetuosa dos pais para com os filhos, onde Freud reconhece uma revivência e reprodução do  próprio narcisismo infantil dos pais, estaria um   modelo de amor, entre um homem e uma mulher adultos, do qual falávamos.

   

Como Freud postula existiria ainda o modelo de relação por apoio ou anaclítico. A escolha objetal por apoio  se constrói à partir dos modelos das primeiras satisfações sexuais que se derivam da satisfação adquirida pelas pulsões do ego ou de auto-preservação. Entretanto, nos fica a pergunta, se não há ai também um  modelo predominantemente narcísico de ralação, pois como falávamos acima, os cuidados dos pais para com os filhos, se baseiam, desde a idade mais precoce, em princípios puramente narcísicos: “A criança terá mais divertimento que seus pais;  ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições à sua vontade própria não a atingirão;  as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais um vez realmente o centro e o âmago da criação – ‘Sua majestade o Bebê’, como outrora nós mesmos nos imaginávamos.”

Será que estas categorias, anaclítica e narcísica, realmente fazem algum sentido para nós? 

Será que o amor não é sempre um amor narcísico? 

Cabe neste momento passarmos a fazer uma distinção entre o amor e a paixão, entre o que concebemos como amor no sentido mais “pleno” da palavra e o amor como sentimento fugaz,  esvanecente. 

Pudemos localizar apenas um aspecto do amor  quando  definíamos o ser amado no lugar do (A), grande Outro não barrado, ou seja  do outro que tem, que possui o que dá,  do outro supostamente completo. O amor propriamente dito, se situa diante do Outro destituído do que dá,  do grande Outro barrado, (A), em outras palavras do outro reconhecido em sua castração. Seria neste espaço que encontraríamos não mais a paixão, mas sim o amor.

Eu sei do meu desejo de capturar o outro e fazer dele a minha semelhança, eu sei que meu desejo me transborda e não reconhece diques, eu sei que por ‘amor’ sou capaz de matar  para me fazer existir.

No amor passa-se a saber não só sobre o próprio desejo, mas também sobre O desejo e que frente a ele não há um, e sim, dois. Quem disser que cabe só ao psicótico “esquecer” que existe um outro distinto, com uma lógica que lhe é peculiar , autônomo e independente em sua própria maneira de desejar e construir o mundo, com certeza nunca terá se apaixonado.

Sócrates no ‘Banquete’, leva seus ouvintes à conclusão  de que o amor não pode ser belo; pois ama-se sempre aquilo que lhe falta e o amor, que ao belo sempre ama, (quem ama o feio, bonito lhe parece) só pode então ser destituído de beleza. Neste sentido o amor mostra uma de suas facetas  mais narcísicas: a pessoa dirige seu amor ao que ‘ela própria gostaria de ser’, e porque não dizer como Sócrates: ‘ ao que ela própria gostaria de possuir.’

Entretanto Diotima fará Sócrates avançar em sua retórica sobre o amor…de uma maneira belíssima discorrerá por axiomas que irão chegar a um resultado mais belo ainda.  Não é por ser o amor destituído de beleza que ele seja necessariamente feio (narcísico?) dirá. O amor parece ser um intermediário entre os homens e os Deuses.

Equivalendo o amor ao bem, comenta algo assim: os homens desejam o bem, mas não desejam só o bem e sim possuir o bem – e possuir o bem seria antes possuir o bem para sempre. A fim de que desejariam possuir o bem para sempre?   “Em concreto, qual o efeito que eles (os amantes) visam (desejando possuir o bem para sempre), sabes dizer-me?”

Sócrates coloca : “Se o soubesse, não estaria aqui a admirar a tua ciência, Diotima, nem seguiria  as tuas lições para me instruir nessas matérias…”

Pois bem, Diotima diz : “o alvo do Amor não é de fato o Belo”, como supõe Sócrates, mas sim “Gerar e criar no Belo!”  E gerar concretamente, pois para o ser mortal esta é a única via de se perpetuar e imortalizar: “o Amor  tem igualmente em vista a imortalidade”.

Gostaria de acentuar com esta passagem que Diotima aponta para uma possibilidade de amar que ultrapassa a esfera pessoal e culmina com a criação, a qual se contrapõe à repetição.

O amor em Freud nos leva a pensar o amor como repetição, estamos inseridos numa cadeia de imagos, marcados pelas impressões infantis, das quais não podemos nos furtar. “Quando amamos não fazemos mais que repetir; encontrar o objeto é sempre reencontrá-lo e todo o objeto de amor é substitutivo de algum objeto fundamental prévio à barreira do incesto.”

 

Em seu artigo, Olivia coloca que, em contraposição à Freud, a boa  nova de Lacan foi mostrar que “há possibilidade de novos amores possíveis”, “Lacan define o amor como aquilo que vem em suplência da relação sexual. Na impossibilidade da relação sexual ligada ao Real, há uma reversão simbólica permitindo ao sujeito a ilusão de que a relação sexual é possível. Na medida em que é momentânea, não consegue manter a certeza e se dá outra reversão imaginária que se revela como amor ”.

Penso que Diotima nos mostra   como o amor transcende o amor imaginário, através do ‘gerar no Belo’ e amplia assim as possibilidades de suplência da ‘relação sexual’.

Poderíamos ainda seguir discutindo sobre város temas que se abrem quando falamos do amor, por exemplo quanto a especificidade do amor do homem e do amor da mulher, que penso terem qualidades (e defeitos!) próprios, mas temos que nos reconhecer castrados também em relação à nossa criação.

Quanto a disposição inicial   em discutir  as singularidades doamor de transferência do amor cotidiano não creio  que tenhamos feito muitos avanços. Miller discutindo sobre o amor de transferência, numa das conferências de Caraquenhas, nos mostra como esta distinção parece um tanto quanto arbitrária quando olhada com mais cuidado, pois se reconhecermos o amor de transferência como “uma repetição estereotipada das condutas inscritas no sujeito, dispostas a ressurgir quando se lhes dá ocasião” , isto, como diz Milleré certo para todo amor”.

Assim como o amor não é algo do dia a dia, a entrada em análise também não. Porém quando esta acontece é indicação que aquela já se tornou possível, ou será ao contrário? A associação livre tem algo de uma postura alienada em relação ao outro ao qual se dirige a fala. Um pouco como a fala do apaixonado que com o seu discurso busca um sentido e um continente para sua emoção. O analista como suporte e condicionador da fala do seu analisando, aposta no inconsciente, transmitindo a idéia e a comprovação impírica, de que no limite da fala , da palavra, pode ser encontrada a verdade sobre o Outro que representa a si mesmo. Diríamos que o analista tem a função de balizador do gozo do Outro, isto quer dizer que não só serviríamos como testemunhas da castração como também seríamos um eixo de referência às modalidades do sujeito gozar.

Deixamos de lado, influenciados pela tortuosidade e dispersividade que o próprio  tema provoca, talvez uma das discussões principais deste trabalho, a saber: De que amor se trata , quando Freud , afirma que ‘a psicanálise é em essência uma cura pelo amor’! Freud cientista, Freud céptico quanto à própria natureza do homem, nos deixa um pouco embaraçados com uma afirmação como esta. Talvez tenhamos que dar atenção ao interlocutor a quem se dirige a frase com o fim de justificá-lo (desculpá-lo)? Mesmo assim, de que maneira?

 

Todavia temos ainda a possibilidade de acreditar que o amor a que se refere Freud não é o amor judaico-cristão do qual descendemos, mas sim uma outra espécie de amor. Uma outra espécie de ‘aproach’.

Mas, que espécie de amor/aproximação é esta?

Diríamos que  a isto  que Freud dá o nome de amor  poderia  ser pensado como todas as nossas condutas que, conscientemente ou não, sintetizam a nossa ética, que num resumo um tanto grosseiro, significam:  saber que o sofrimento é algo inerente à condição humana, que não podemos viver no lugar do outro algo que lhe é próprio, que não podemos apartar o sofrimento de quem quer que seja , no máximo, acompanhá-lo. 

  

Fontepesquisada:(http://www.psicoway.com.br/iso/sobre_o_amor.htm),

(http://en.wikipedia.org/wiki/XXL_(Myl%C3%A8ne_Farmer_song).

POSTED BY SELETINOF 7:54 PM 

NINGUÉM MENOS QUE O MELHOR!!!

  

Não perca seu precioso tempo com ninguém menos que o melhor. E se muitos tiverem que fazer seu "teste de melhoridade", tanto melhor. Quem não prova todos os pratos não aprimora o paladar.

Newde Caruso

 

POSTED BY SELETINOF AT 0:38 PM 

MICROTÚBULOS – BASE MATERIAL DA MENTE

Mente, entidade intangível, ilimitada que nos fornece aquela voz internaimaginaçãoemoçõespensamento e o nosso sentido de ser.

  

Por David H. Freedman

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Nada na ciência é tão misterioso quanto a Mecânica Quântica – exceto, talvez, os Mecanismos da Mente. Agora, o gênio em vários campos, Roger Penrose diz que os dois estão intimamente conectados. Numa pequena sala de aulas no Estado de Pensilvânia, o matemático de Oxford e físico Roger Penrose dá uma palestra a uma pequena multidão de pessoas se acotovelando, formada de colegas e estudantes. O professor de fala mansa, com 62 anos de idade é um dos especialistas mundiais em Relatividade Geral e Mecânica Quântica, as duas complexas teorias que explicam tudo o que ocorre em nosso universo. Entretanto, sua palestra de hoje, parece estar ligada a um pequeno pacote de tubos, que ele rapidamente desenhou de maneira esquemática na lousa. O pacote poderia ser uma entre dúzias de entidades exóticas provenientes do reservatório de objetos matemáticos e físicos de Penrose: ‘superenoveladores’, ‘buracos de minhocas’ e ‘mundos tubulares’ – todos curiosidades do espaço-tempo a que a audiência já está acostumada a ouvir e conhecer.

Entretanto, esse pacote em particular acaba tornando-se pouco familiar para seus ouvintes, embora seja de fato muito, mas muito mais mundano. É um arranjo de estruturas protéicas encontradas em todas as células vivas. De acordo com Penrose, essas estruturas poderiam desempenhar um papel muito especial no universo: seriam as responsáveis pela capacitação do cérebro, que afinal das contas nada mais representa do que um acúmulo do mesmo tipo de materiais que compõem as rochas e as estrelas, em gerar a mente, aquela entidade intangível, ilimitada que nos fornece aquela voz interna, imaginação, emoções, pensamento e o nosso sentido de ser.

Embora o assunto possa parecer estar afastado do campo de interesses deste grupo de pessoas, Penrose o coloca de maneira soberba dentro da perspectiva do grupo. A busca pelas leis últimas da natureza conduziu os físicos a locais tão maravilhosos quanto o interior de gigantescos buracos negros e nas inimagináveis pequenas ilhotas de matéria que são conjuradas dentro de aceleradores de partículas. Penrose afirma que a pista finalmente se aproxima do alvo, passando diretamente através de cerca de quilo e meio de uma gelatina acinzentada que está vibrando dentro das nossas cabeças. Para compreender a mente, diz ele, você necessita da nova física e, paradoxalmente, a descoberta dessa nova física poderá muito bem depender de novos conceitos sobre a mente.

Penrose primeiro discutiu a possibilidade de uma profunda, embora vaga, conexão entre a mente e a física em seu surpreendente best-seller de 1989, ‘The Emperor New Mind’ (A Nova Mente do Imperador). Naquele livro ele sugeriu que a mente seria criada por algum fenômeno mecânico-quântico misterioso que ocorreria dentro das células do cérebro. Desafortunadamente, as células do cérebro parecem ser um local pouco provável para as peripécias quânticas. O estranho comportamento quântico, já bastante bem conhecido, parece ocorrer exclusivamente em partículas subatômicas isoladas, e facilmente se mascara em massas extensas e apinhadas de átomos, tais como existem na matéria em geral. Naquela época, Penrose foi incapaz de fornecer qualquer sugestão ou pista sobre como tal conflito poderia ser resolvido. Mas durante o ano passado (1993) ele descobriu uma maneira. Penrose pode agora apontar para um componente específico das células cerebrais que parece constituir um canal ideal para os fenômenos da mecânica quântica. Esse componente, conhecido como microtúbulo, é o indicado por Penrose para ser a raiz física da consciência.

Surpreendentemente, a inspiração de Penrose sobre os microtúbulos não foi desencadeada por um artigo publicado num dos jornais de ponta da neurociência, mas através de um encontro fortuito com um livre-pensador de Tucson, Arizona, um anestesista chamado Stuart Hameroff. Embora o folclórico e obscuro Hameroff e o reservado mas reconhecido Penrose formem uma dupla pouco provável, a parceria produziu aquilo que poderá ser a teoria mais explícita da base física da consciência até hoje apresentada, uma teoria que, se comprovada, poderia causar um terremoto em campos tão diversos quanto a física, biologia, ciências da computação e filosofia.

Penrose se auto-descreve como um ‘bisbilhoteiro’. Diz que é uma característica que adquiriu de seu pai, um médico que ativamente tinha interesses em psicologia, filosofia e enigmas matemáticos. Incapaz ou não, desejando manter sua mente focalizada naquilo que as outras pessoas poderiam considerar como material mais do que suficiente para perseguir numa única carreira, Penrose continuou a colecionar novas especializações durante as últimas décadas. Depois de receber o seu Ph. D. em Matemática da Universidade de Cambridge em 1957, ele rapidamente passou pelas ciências da computação, moveu-se para a física e focalizou seu interesse na mecânica quântica, depois na relatividade geral durante algumas incursões em Princeton e Syracusa, antes de fechar contrato em Oxford.

Ao longo desse processo, Penrose começou a pensar sobre a mente. De forma particular, se perguntava se seria possível ou não programar um computador de forma que este viesse a adquirir algo que se aproximasse de uma consciência. Os pesquisadores de inteligência artificial já criaram programas que parecem capturar pelo menos um ‘sabor’ de todas as atividades inconscientes, incluindo o trabalho dos cinco sentidos, controle muscular e instintos. Tais programas permitem com que robôs encontrem e escolham blocos, que computadores respondam a perguntas sobre conserto de automóveis e criaturas de ‘vida artificial’ que se parecem com desenhos animados, encontrem seus companheiros para procriação, encontrem alimento e ‘vivam’ suas vidas numa tela de vídeo. Entretanto, os pesquisadores não dispõem de nenhuma pista de como fazer com que um computador venha a confirmar intuitivamente a verdade de algum argumento sutil ou ver o humor numa piada, sentir o impacto emocional da música, criar filosofias sobre o sentido da vida ou venham com soluções contra-intuitivas para problemas não-familiares. Resumidamente, eles não têm a menor idéia de como investir os computadores com aqueles aspectos da mente que parecem ser claramente conscientes, que permitiram com que Descartes declarasse: ‘Cogito, ergo sum’.

Mas por que tais processos são tão sutis? Poderia ser que, como a maioria dos pesquisadores de inteligência artificial afirma, que a sua simulação em um computador exigiria programas muito mais complexos do que qualquer um até agora idealizado. Mas Penrose acha que essa explicação não é suficiente. De um lado, a pesquisa sugere que a maioria das células do cérebro parece estar preocupada com tarefas inconscientes tais como o processamento e armazenamento de imagens e em controlar os músculos e que apenas porções relativamente pequenas do cérebro estão dedicadas ao tipo de tarefas que associamos com o pensamento consciente. Tais evidências vão contra a noção de que a consciência emerge de uma versão mais complexa do mesmo tipo de processos cerebrais que dão origem ao pensamento inconsciente; se assim fosse, poderíamos esperar que esta ficasse com a parte do leão da substância cerebral.

Além disso, se a consciência nada mais fosse do que um programa – mesmo que horrendamente complexo – por que então os pesquisadores da vida artificial ou os neurocientistas não obtiveram ainda sequer um único insight sobre a sua natureza? A razão é, concluiu Penrose, que a ‘qualidade da compreensão e sentimento possuídos pelos seres humanos não é algo que possa ser simulado computacionalmente’; ou seja, não pode ser quebrada numa série de passos, como um tipo de receita, que quando executada por um computador, iria resultar numa imitação aceitável da coisa real.

A noção de processos não-computáveis não é desconhecida aos matemáticos e cientistas da computação. Um exemplo particularmente bem conhecido e impressionante deste processo nos é fornecido pela matemática dos arranjos de formas (‘tilling’) que se preocupa com as maneiras nas quais diferentes conjuntos de formas planas, ou ‘azulejos’, podem ou não ser arranjados de forma a recobrirem uma superfície plana infinita sem deixar vazios. Que certas formas, tais como quadrados ou triângulos ou hexágonos são capazes de fazer isso é algo quase intuitivamente óbvio. Curiosamente, os matemáticos provaram que é impossível planejar um programa de computador – um conjunto de regras gerais – que possa prever se mosaicos de uma dada forma básica podem cobrir completamente um plano. (O próprio Penrose explorou este problema e, de suas investigações, descobriu um par de ‘azulejos’ de forma hexagonal que podiam cobrir completamente uma superfície, mas apenas numa variedade infinita de padrões que nunca se repetiam.)

 

Se a questão de que certos ‘azulejos’ podem recobrir um piso não é computável, então a tarefa de avaliar a beleza de um objeto assim como alguma outra tarefa da consciência não seria igualmente não-computável? Penrose tem certeza que sim. Mas se a consciência não é computável, então qualquer que seja o processo no cérebro que dá origem à consciência também deverá ser não-computável. Essa conclusão tem uma implicação perturbadora e inevitável: presumivelmente, tudo o que acontece no cérebro obedece as leis da física e, se quisermos manter a religião e metafísica fora do jogo, todas as leis conhecidas da física são computáveis. De acordo com essas leis, todo processo físico no universo, de colisões atômicas a colisões galácticas, podem ser simulados sem erro num computador, pelo menos em princípio. Se este é o caso, Penrose decidiu que o cérebro deveria incorporar um processo físico que simplesmente não estava debaixo das leis conhecidas da física. A consciência, concluiu, estava fundamentada numa nova física, ou seja, em leis que ainda não foram descobertas ou formuladas. Mais ainda, pensou que sabia onde deveria procurar por elas: no mundo subterrâneo e exótico da mecânica quântica.

A mecânica quântica é uma teoria teimosamente estranha. Entre outras coisas, nos diz que um elétron ou qualquer outro habitante do mundo subatômico tende a existir numa multiplicidade de estados simultaneamente: está aqui e ali simultaneamente, movendo-se depressa e devagar, girando numa direção e noutra. Mas, no momento em que o elétron interage com a matéria ou energia ordinárias, quando se choca com as moléculas em um detetor, por exemplo, ou é bombardeado por um raio de luz, a perturbação de alguma maneira faz com que o elétron ‘escolha‘ um único estado. Neste ponto ele passa a se comportar como se esperaria que uma minúscula bola de bilhar atuasse. As bolas de bilhar reais nunca exibem personalidades múltiplas porque a estranheza da mecânica quântica geralmente fica aparente somente se os objetos têm o tamanho aproximado de um átomo ou ainda menores, e que se encontrem em ambientes ‘quietos‘, isolados da agitação casual das outras partículas e forças.

Cada medida já feita apoia esta imagem bizarra, de forma que a física a considera como se fosse um evangelho. Ainda assim, não existe uma explicação amplamente aceita de como uma partícula escolhe um único estado quando é perturbada. No que se refere aos cientistas, simplesmente escolhe. Logicamente, eles não se queixariam se uma boa teoria viesse a aparecer, mas provavelmente, qualquer explicação deste tipo também viria a exigir uma mudança fundamental em nossa compreensão da mecânica quântica, assim como a teoria geral da relatividade de Einstein necessitou de uma modificação fundamental da nossa compreensão da gravitação. E mesmo uma pequena modificação seria um desenvolvimento chocante para uma teoria que suportou tantos testes rigorosos.

Penrose sempre sentiu-se pouco confortável com esse hiato na visão de mundo da mecânica quântica e desde há tempo tem discutido que a teoria deve ser modificada para poder explicar com precisão o processo de escolha de um estado único. Mas, ao pensar sobre a necessidade de um processo físico não-computável no cérebro, lhe ocorreu que poderia senão matar, pelo menos dar uma raspada em dois pássaros com a mesma pedra. E se o processo de escolher quantum-mecanicamente fosse não-computável? Então este seria um candidato viável para representar o processo físico que dá origem à consciência. ‘Algumas vezes’, diz ele, ‘o bisbilhotar se junta sem nenhuma razão aparente’ .

De acordo com a neurociência convencional, o cérebro processa informações através do padrão de impulsos elétricos que as células nervosas do cérebro, ou neurônios, trocam umas com as outras. Talvez, se perguntou Penrose, esses sinais se iniciem numa mistura quantum-mecânica caótica de estados que permitem a existência simultânea de incontáveis padrões diferentes ao mesmo tempo; desta mistura quântico-mecânica, um padrão torna-se capaz de realizar a tarefa solicitada – ele ‘se liga’ e é este padrão que se torna um pensamento consciente.

Penrose não explica exatamente como é que o cérebro sabe quando uma solução é a ‘certa’. Logicamente ele não sabe, mas de alguma maneira, no meio do zumbido das atividades inconscientes que sempre estão acontecendo por detrás da cena, ocasionalmente um pensamento, inspiração ou sentimento emerge da generalidade do ruído de fundo e é trazido para a nossa consciência. O porquê deste estado específico ser ‘escolhido’ em contraposição aos demais, é algo que provavelmente tem relação com algum tipo de concordância existente entre padrões na mente. Além disso, pelo menos por enquanto, ninguém pode falar mais.

Essa escolha quântico-mecânica entre muitos estados é o modelo para a consciência que Penrose apresentou no seu ‘A Nova Mente do Imperador’. A argumentação, na realidade, aparece nas últimas páginas do livro; o restante é uma brilhante apresentação e atualização sobre a física, ciências da informação, neurobiologia e outros campos necessários para que haja uma compreensão dos argumentos. O livro criou um turbilhão de opositores oriundos virtualmente de todos os campos que se preocupam com o assunto. Os pesquisadores de inteligência artificial aventaram que o elegante discurso de Penrose sobre a não-computabilidade falhou em fornecer evidências convincentes de que a consciência não é computável. O que importa que a intuição, o insight ou a autoconsciência nos pareçam misteriosas agora? Quarenta e cinco anos atrás, disseram eles, sequer tínhamos computadores e atualmente eles ensinam as crianças a jogar xadrez e jogam até o nível de grande mestre; quem sabe o que os computadores estarão pensando daqui a 45 anos? O que se refere aos físicos, a idéia de modificar a mecânica quântica, simplesmente porque o processo da escolha de um estado a partir de uma infinidade destes parece ser arbitrário, atrai muitos poucos admiradores.

No início de 1992, Penrose se propôs escrever um livro-sequência que iria fornecer maiores evidências aos seus argumentos. Mas quanto mais progressos fazia, mais sentia-se incomodado por uma pergunta. Como é que os impulsos nervosos, os pacotes de energia elétrica que os neurônios trocam entre si quando disparam, podiam ser quânticos? Os impulsos nervosos estão viajando no meio de um dos ambientes mais ruidosos imagináveis: o cérebro é uma estrutura densa de células que estão em franca atividade elétrica e química e é exatamente este tipo de interação com a matéria e energia ao redor que tende a abafar o comportamento quântico. ‘Estava completamente incomodado com a idéia de que o disparo neuronal pudesse ser um evento quântico’, diz Penrose. Mas onde mais, além dos impulsos nervosos, a mecânica quântica poderia atuar significativamente no pensamento?

Como estudante na Escola Médica Hahnemann de Philadelphia, no início de 1970, Stuart Hameroff foi cativado pela questão de como as células conseguem realizar o processo de divisão celular. A resposta parecia estar relacionada com aqueles recentemente descobertos componentes celulares chamados de microtúbulos, tubos longos, finos, compostos de proteínas, com cerca de um milionésimo de polegada de diâmetro. Estes filamentos delgados agrupam-se lado a lado para formarem longos feixes, parecendo-se com um maço de canudos de refrescos frouxamente enroscados. Os feixes de microtúbulos, mesmo assim não maiores que um milionésimo de polegada, atravessam toda a célula, formando redes parecendo com malhas. Essas redes de microtúbulos servem como uma espécie de esqueleto para a célula, conferindo estrutura e criando caminhos para o transporte de substâncias químicas no interior das células. Mas, o que é muito intrigante, quando uma célula está para se dividir, os feixes se dissolvem e em seguida reaparecem em novas configurações que repartem a célula no lugar exato. Comportam-se como guardas de trânsito, direcionando o complexo processo de divisão da célula.

Hameroff também tinha interesse nos mistérios da consciência e inteligência e, quando iniciou o seu internato no Centro Médico de Tucson, começou a pensar em especializar-se em neurologia. Mas um colega anestesista acabou convencendo-o a mudar de rumo ao lhe contar um achado curioso: anestésicos inalantes, tais como éter ou halotano, que podem ‘desligar’ significativamente a consciência, sem entretanto causar danos ao cérebro, pareciam atuar através de uma deformação temporária dos microtúbulos situados dentro dos neurônios. A molécula de proteína que constitui o microtúbulo possui um tipo de ‘bolso’ ao longo de seu comprimento; um único elétron pode deslizar para frente e para trás ao longo desta invaginação e a posição do elétron nesta, irá determinar a forma que a proteína irá se configurar e assim a configuração final e função do microtúbulo. As moléculas de um gás anestésico são capazes de imobilizarem o elétron, bloqueando a proteína e tornando inútil o microtúbulo. Embora ninguém saiba precisamente como a forma da proteína resulta em atividades específicas, a teoria parecia sugerir que os microtúbulos estavam diretamente relacionados à consciência.

Hameroff continuou a estudar os microtúbulos depois de ter assumido um emprego na Escola de Medicina da Universidade do Arizona em Tucson, descobrindo, entre outras coisas, que os longos tubos eram extraordinários condutores de vibrações físicas, ou ondas sonoras. Utilizando modelos em computadores para simular o comportamento dos microtúbulos, descobriu que uma vibração introduzida numa das extremidades do tubo era capaz de se propagar ao longo de todo o seu comprimento oco e preenchido de água, sem sofrer qualquer alteração. Mais ainda, que as perturbações ocorrendo nos microtúbulos vizinhos apresentavam uma ‘coerência’, ou seja, uma vibração num microtúbulo podia fazer com que um outro microtúbulo vibrasse exatamente da mesma maneira, assim como um diapasão vibrando é capaz de fazer com que um diapasão de mesma ciclagem comece a vibrar, igualmente. Finalmente, um ‘tranco’ propagando-se ao longo de um único microtúbulo podia ser transmitido a feixes inteiros de microtúbulos que estavam vibrando em sincronia e talvez mesmo, espalhar-se, através das membranas das células, para microtúbulos de células vizinhas.

Hameroff suspeitou que essa propriedade estava relacionada com a função de ‘guarda de trânsito’ dos microtúbulos: se eles estavam encarregados do comportamento de organização da célula, então eles teriam de se comunicar uns com os outros e para isso, teriam de dispor de um sistema sensível e rápido de sinalização. ‘Parecia que os microtúbulos eram ótimos para transmitir sinais’, diz Hameroff. Eles eram tão bons nisso que parecia muito pouco provável que uma tão eficiente rede de comunicações não possuísse um propósito mais sofisticado para sua existência. ‘Mas para o que mais serviriam esses sinais?’, perguntava-se Hameroff.

Uma resposta possível apareceu em 1982, quando Rich Watt, um engenheiro elétrico que trabalhava do outro lado do corredor e que sabia do interesse de Hameroff nos microtúbulos, certo dia entrou na sala de Hameroff e lhe mostrou uma fotografia tirada através de um microscópio eletrônico, perguntando; ‘O que é isso?’ ‘Parece com um microtúbulo’, respondeu Hameroff instantaneamente. ‘Olhe de novo’, disse Watt. A fotografia na realidade era de uma das chaves microeletrônicas que constituem os chips. Hameroff percebeu então que aquilo que estava meio escondido no meio de suas idéias era algum tipo de rede de processamento de informações.

Hameroff gastou a maior parte dos próximos dez anos desenvolvendo uma teoria sobre como essa propriedade de carreamento de informação dos microtúbulos podia capacitar uma rede destes a funcionar como um computador atuando no interior de uma célula. Tudo o que um chip de computador faz é transportar pulsos elétricos ao redor de uma rede de ‘linhas de trem’, com pequenos transistores funcionando como pequenas chaves comutadoras. Esta é também a maneira que o cérebro funciona, com os neurônios funcionando como chaves comutadoras. Mas Hameroff suspeitava intensamente que as redes de microtúbulos nas células podiam também atuar no papel de tal campo de manobras, direcionando pulsos vibracionais ao longo de certas trajetórias situadas no interior das células e também entre células; ao se arranjarem e estabelecerem interconexões entre eles de forma correta, direcionavam os sinais vibratórios aqui e ali da mesma maneira que fios elétricos direcionavam o fluxo de sinais eletrônicos. Uma vez que uma rede podia existir no interior de uma única célula, no caso uma célula nervosa que por sua vez fazia parte de uma outra rede computacional maior – uma rede de microtúbulos na realidade seria como um computador dentro de um computador maior.

Se a rede de neurônios do cérebro é um computador, por que então seria necessário que cada neurônio individual funcionasse como seu próprio computador? De acordo com Hameroff, a rede neural do cérebro é muito inapropriada para dar conta de tarefas tais como, uma pessoa entrar numa sala e reconhecer instantaneamente cada objeto nela existente.

Embora isto nos pareça bastante ordinário, de fato é quase um feito miraculoso de processamento de informação, nem mesmo uma dúzia dos maiores computadores do mundo sequer seriam capazes de se aproximar em reproduzi-lo. Os neurônios atuando como chaves comutadoras relativamente simples não poderiam possivelmente ser capazes de fornecer este grau de computação, discutia Hameroff. O poder cerebral adicional, afirmava ele, estava à disposição no interior de cada neurônio.

Neste ponto, Hameroff não estava preocupado com a consciência como fenômeno em si. Estava simplesmente impressionado que o cérebro parecia solicitar um poder de computação muito maior do que os neurônios eram capazes de fornecer e que os microtúbulos, sinalizando-se mutuamente através de uma vibração simpática pareciam fornecer um mecanismo adicional plausível.

Quando o cérebro está tentando resolver um problema, de acordo com Hameroff, ele lida com a enorme quantidade de processamento necessário em dois níveis distintos: a nível dos microtúbulos, trocando sinais vibracionais e a nível de neurônios inteiros, trocando sinais eletrônicos. Hameroff propôs vários mecanismos para a interligação entre esses dois sistemas algo dessemelhantes. A sinalização do microtúbulo poderia proporcionar o nível inferior de processamento que irá determinar quando é que os neurônios irão ‘disparar’ no último estágio de processamento, por exemplo. Ou os dois processos poderiam trabalhar em conjunto, trocando sinais entre si, num diálogo contínuo. Ou então, os microtúbulos poderiam passar os sinais de neurônio a neurônio, em resposta ao disparo neuronal, gerando um esquema para uma sintonia fina dos padrões de disparo, assemelhando-se a um observador que diz aos soldados que estão manejando os canhões como ajustar suas miras depois de cada tiro.

A teoria de Hameroff, inovativa como era, não atraiu muita atenção da corrente de neurociências. Não ajudou em nada que o seu entusiasmo e imaginação fizeram-no sugerir, em suas palestras e artigos, que os microtúbulos podiam ser gerados artificialmente e direcionados a criar ‘nanorobots‘ programados a realizar serviços médicos na corrente sangüínea de pacientes, ou criarem gigantescos cérebros artificiais em órbita ao redor da Terra. Enquanto isso, a pesquisa no final dos anos 80, feita por biofísicos começou a produzir pistas intrigantes de que os microtúbulos, devido as suas minúsculas dimensões e forma tubular, apresentavam propriedades quânticas únicas. Normalmente, qualquer pulso de uma energia vibracional ou outra dentro do cérebro, não poderia existir numa mistura quântica de estados, isto porque toda a matéria e atividade ocorrendo no cérebro iria perturbá-la e faze-la escolher um único estado instantaneamente.

Mas, de acordo com os cálculos de alguns pesquisadores, um microtúbulo poderia isolar um pulso da balbúrdia restante; este pulso poderia viajar ao longo do microtúbulo totalmente separado do ruído ao seu redor, sem ter de interagir com as moléculas que constituem as paredes do microtúbulo. E enquanto que esse pulso não fosse obrigado a escolher um único estado, estaria livre para explorar simultaneamente qualquer número de padrões possíveis no interior e ao longo dos microtúbulos. (Até mesmo uma travessia em direção a outras células não perturbaria necessariamente este pulso, um diapasão vibrando pode fazer com que um outro diapasão passe a vibrar em sincronia, mesmo se o ambiente ao redor está cheio de ruídos de outros sinais.) Hameroff suspeitou que esse novo aspecto dos microtúbulos poderia abrir ainda outras possibilidades, mas não compreendia o suficiente da mecânica quântica para ser capaz de ver como isto poderia ocorrer.

Então em 1992, ele leu o livro de Penrose. Embora tivesse de lutar em algumas seções que lidavam com a física, compreendeu o suficiente do material para reconhecer que enquanto ele possuía uma teoria da estrutura quântica no cérebro, não dispunha de uma teoria da consciência que se aplicasse a ela e Penrose dispunha de uma teoria de consciência quântica à qual faltava uma estrutura biológica apropriada. ‘Imaginei que realmente deveria entrar em contato com ele’, relembra Hameroff.

Desde a publicação da ‘Mente Nova do Imperador’, Penrose recebeu uma grande quantidade de cartas, cuja maior parte ele polidamente caracterizava como ‘pouco razoável’. De início, quando começou a ler uma carta enviada por um anestesista de Tucson, não se sentiu particularmente encorajado. Mas à medida que lia e depois que examinou os artigos que com ela foram enviados, o seu interesse cresceu. ‘Algumas coisas que Stuart está disposto a publicar são algo que, diríamos, é, às vezes, exagerado’, diz ele. ‘Mas mesmo que as idéias soassem como algo de ficção científica, não desejamos jogar o bebê fora, junto com a água do banho. Parecia que havia algo realmente importante ali.’

Hameroff encerrava sua carta informando que estava planejando visitar Londres em sua próxima viagem à Europa. Penrose respondeu: apareça. Num dia chuvoso do Outono de 1992, Penrose encontrou-se com Hameroff na estação de trem em Oxford. Em seu escritório, num pequeno espaço situado no meio daquela espetacular confusão de materiais e livros, suficiente apenas para se acomodar duas cadeiras, os dois sentaram-se ao lado da janela que dava para o jardim. Hameroff respondeu as perguntas de Penrose por mais de duas horas: explicou o que eram os microtúbulos, como estavam configurados no cérebro, as formas com que, parece, se transmitiam os sinais. Os dois discutiram cálculos mostrando que as propriedades isolantes dos microtúbulos poderiam permitir com que pulsos vibratórios quânticos pudessem explorar caminhos múltiplos. Enquanto ouvia, Penrose sentiu que as suas preocupações concernentes a Hameroff lentamente se evaporavam. ‘Pessoalmente, Stuart era muito mais cuidadoso para indicar quais das idéias se situavam num campo mais selvagem e quais não, do que quando as publicava’. ‘Geralmente acontece o contrário com a maioria dos pesquisadores.’

Embora Penrose parecesse completamente intrigado com os microtúbulos, Hameroff se perguntava, depois de ter sido conduzido de volta à estação de trem, se Penrose poderia fazer algo com a idéia. ‘Me parecia que era como um tiro à distância’, diz Hameroff. Foi depois de duas semanas que ele soube que Penrose havia anunciado a uma audiência – alguns dias depois de terem se encontrado – que graças a Hameroff, ele finalmente havia encontrado um local plausível para localizar as raízes da consciência.

Mesmo modificada para incluir as idéias de Hameroff, a teoria de Penrose está longe de ser considerada como comprovada. Ainda é vaga em muitos pontos cruciais: por exemplo, Hameroff ainda está lutando para determinar como é que os pensamentos são representados por padrões de sinalização nos microtúbulos e como esses padrões disparam, suplementam ou modificam os disparos dos impulsos nervosos. E Penrose não parece estar próximo de dizer precisamente como é que uma mistura quântica de padrões acaba ‘escolhendo’ uma alternativa. É lógico, a teoria poderia simplesmente estar totalmente errada. ‘Existem muitos lugares em que poderíamos ter tomado a direção errada’, concorda Penrose.

Não existem ainda evidências comprovadas de que a mente está baseada num processo não-computacional, por exemplo, ou mesmo que tal processo exista na mecânica quântica ou em qualquer outro lugar na física. Essencialmente, o que ele sabe é que o cérebro, ao criar a mente, parece estar fazendo algo não-computável e que o mecanismo situado por detrás da ‘escolha’ quântica é tão sugestivamente incompleto que poderia muito bem envolver processos não computáveis, e aqui existe um belo entrelaçamento entre os dois, que parece convergir nos microtúbulos.

Mas ele tem idéias para confirmar, pelo menos, partes de sua teoria. Sua afirmação de que existe um hiato na teoria quântica, porque esta não consegue explicar o processo de escolha de um único estado, seria tremendamente reforçada se pudesse fazer uma previsão sobre o processo que não pudesse ser extraída da teoria corrente. Se a teoria atual estivesse completa, seria capaz de fornecer, pelo menos em princípio, todas as previsões que podem ser feitas. SE podemos fazer uma previsão que não vem da teoria, então a teoria está incompleta. Penrose e outros físicos acreditam que uma tal previsão é possível de ser feita. Eles propuseram um acréscimo à mecânica quântica que iria descrever quanto tempo, na média, perduraria uma dada partícula num dado ambiente de misturas de estados quânticos, antes que viesse a escolher um estado único – uma questão sobre a qual a teoria convencional não fala. ‘Acredito que esses tempos poderiam ser medidos’, diz ele. ‘Estou falando aos experimentalistas sobre essa possibilidade’.

Hameroff, por sua vez, está tentando criar um esquema para determinar experimentalmente como é que os microtúbulos processam os padrões de sinais. Para fazer isso ele está planejando um aparelho dotado de duas pinças microscópicas: uma iria produzir um pequeno choque elétrico em certos pontos numa rede de microtúbulos; a outra detetaria quaisquer choques elétricos que emergissem num outro ponto. Ao determinar onde emergem os choques elétricos isto poderia oferecer alguma indicação de como os microtúbulos se interconectam e dirigem o fluxo de sinais, e também como esses arranjos modificam-se com o tempo. Finalmente, Hameroff gostaria de determinar como é que os padrões de sinais dos microtúbulos representam a informação, à semelhança da maneira como um chip de computador representa a informação, com longas série de 1 e 0. ‘Se pudermos decodificar os padrões’, diz ele, ‘poderemos ser capazes de conectar os microtúbulos a um computador e trocar informação de ida e volta’.

Mas mesmo na ausência de evidências experimentais, Penrose tem um sentimento sobre a teoria. ‘É a velha discussão sobre Sherlock Holmes’, diz ele. ‘Depois que você eliminou o impossível, aquilo que permanece, por mais improvável que seja, é a verdade. Estou com 90 por cento de certeza de que essas idéias são basicamente corretas.’ Depois de algum momento, acrescenta, ‘Bem, tenho 80 por cento de certeza. O argumento de Sherlock Holmes pode ser perigoso’.

O modelo de consciência quântica, na forma de um presente extra esquisito, poderia em princípio, conduzir o caminho em direção a uma nova teoria da física que poderia solucionar um buraco sério (de partes) da mecânica quântica. Penrose acredita que tal teoria virá à luz mais cedo ou mais tarde, esteja ele certo ou não com respeito à consciência, mas poderia acontecer mais cedo, se o modelo vier a se provar correto.

Que grande piada a natureza teria feito em nós, se todo o pensamento que foi colocado na descoberta das leis últimas do universo viesse a revelar que uma das maiores pistas estava entremeada o tempo todo no próprio tecido do pensamento

Tradução do Instituto Nokhooja

Artigo publicado na revista Discover, junho de 1994, pp. 89-98. 

Fonte: Instituto Nokhooja (www.nokhooja.com.br).

Link: Revista Discover (www.discover.com).

Fontepesquisada:(http://www.rizoma.net/interna.php?id=172&secao=neuropolitica)

POSTED BY SELETINOF AT 3:08 PM